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Algumas linhas sobre o movimento okupa espanhol
Por Felipe Corrêa
Segunda feira, 22 de Setembro de 2003, oito horas da manhã. Um companheiro dormindo escuta alguém pedindo que estenda as mãos e ao estender, ainda sem abrir os olhos, sente algo frio nos seus braços. A polícia acabava de algemá-lo. Da mesma forma que ele, todos os companheiros e companheiras do local foram presos pela policia, que tinha entrado no prédio ocupado, apenas alguns minutos antes com a tarefa de desocupar o local. Assim terminou a história da ocupação que tinha sido feita há apenas três dias por um grupo chamado “Miles Viviendas” num bairro próximo da estação de metro Virreli Amat de Barcelona, Espanha.
Esse é um dentre inúmeros exemplos sobre o cotidiano dos/as que estão envolvidos/as com as ocupações na Espanha. Pretendo escrever um pouco sobre o movimento chamado de “okupa” e algumas coisas que percebi em minha pequena estadia em Madrid e Barcelona em Outubro de 2003.
A especulação imobiliária é algo que marca muito a realidade local dessas cidades. O direito de habitação digna, previsto no artigo 47° da constituição espanhola, além da obrigação dos poderes públicos de promover as condições necessárias para que isso aconteça e utilizar os espaços de acordo com os interesses gerais, são direitos que todos dentro do movimento conhecem. Os/as okupas acusam o Estado espanhol e os dirigentes políticos de não respeitarem esses valores e de estarem intimamente ligados ao setor imobiliário do país. Um fato que pode comprovar o fracasso das políticas públicas com a habitação é que cerca de 80% da população espanhola, que tem entre 20 e 35 anos, ainda vive com os pais e os custos com habitação superam 40% das rendas das famílias.
A habitação se tornou um privilégio para as classes mais baixas. Mesmo os programas feitos pelos governos locais - como o projeto de construção de casas para jovens - não apresentam condições reais, principalmente econômicas, pelos critérios exigidos para se aprovar uma compra. Para os/as okupas, o problema de habitação e da falta de moradias suficientes para todos é uma grande ficção imobiliária, eles/as acusam os especuladores de criar esse problema para valorizar seus imóveis. De 1984 a 1993 houve um aumento de 263% nos alugueis da cidade e na última década eles subiram mais 40%. Somente em Barcelona, o numero de casas abandonadas (sem qualquer utilização) passa das 35 mil.
A “limpeza do centro das cidades”, algo que me lembrou o projeto Belezurada prefeita Marta Suplicy, de São Paulo, que embelezouo centro da cidade às custas de centenas de empregos, seguindo as recomendações do BID, está funcionando a todo vapor. Em Barcelona, por exemplo, a prefeitura está demolindo construções antigas no centro da cidade (locais onde vivem pessoas pobres) e construindo centros comerciais, praças e grandes hotéis ou então simplesmente desapropriando as áreas e concedendo os terrenos a empresas privadas que tenham algum projeto que gere valorização do local. Com as olimpíadas que aconteceram na cidade em 1992, grande parte da cidade foi “revitalizada” e onde antes havia gente pobre, agora estão grandes edifícios e construções de corporações multinacionais. Às comunidades carentes, restou ir para as periferias, em algum lugar onde os turistas da cidade não os pudessem ver. O “Fórum Universal de las Culturas de 2004″ que acontece na Espanha e diz ter como metas: promover as condições para a paz, o desenvolvimento sustentável e a diversidade cultural, na verdade tem interesses semelhantes de “revitalizar” uma outra parte da zona central da cidade onde ainda restam imigrantes e outros pobres.
Em resposta a tudo isso, o movimento de okupas tem invadido imóveis não utilizados, abandonados (se possível com problemas jurídicos, o que dificulta o processo de desocupação), colocando em questão a especulação imobiliária e fazendo uma crítica bastante severa através da ação direta a essas práticas do governo espanhol e as pessoas que estão no comando do Partido Popular. Como os próprios okupas declaram “a reapropriação que se faz dos espaços ocupados não é mais do que uma declaração de que as políticas públicas, longe de solucionar um problema coletivo, ajuda os ricos manterem seu dinheiro e impede os pobres de terem qualquer coisa”.
As ocupações são alternativas que servem como um lugar para viver (as chamadas viviendas) e também para o desenvolvimento de atividades sociais como debates, discussões, shows, oficinas de todo tipo (informática, comida, idiomas, serigrafia, contra-informação, dança, acrobacia e muitas outras coisas) e também proporcionar um local de encontro para grupos horizontais e apartidários que desenvolvem atividades de cunho político.
Em Madrid, desde o último verão as coisas mudaram bastante pois houve uma campanha de desocupação muito intensa na cidade e as ocupações (principalmente as que desenvolviam trabalho social) foram desalojadas e os/as okupas estão sofrendo as conseqüências até agora. Talvez, algumas das experiências relevantes foram os Laboratórios (mais conhecidos como Labos). Em minha estadia na cidade ouvi falar muito dessas experiências de centro sociais autogeridos e plurais que ficavam no bairro de Lavapiés e que buscavam ser um espaço de expressão, conflito, debate, encontro, superação, crítica e reafirmação de identidades, incluindo as políticas. O Laboratório 01 nasce em 1997 como resultado de um processo de resistência iniciado pelo movimento autônomo de Madrid que ocupou um espaço não utilizado e deu um caráter social a ele. Com o fim do Labo 01, os ativistas não deixam o projeto morrer, ocupando outro local e colocando o nome de Labo 02. Com o desalojo, ocupam novamente em Fevereiro de 2002 e criam o Labo 03, provavelmente o mais divulgado e freqüentado de todos os Labos. Muitas atividades desenvolvidas neste local ficaram conhecidas como a cobertura das manifestações antiguerra no início de 2003 com uma rádio que foi montada por vários grupos de contra-informação entre eles o Indymedia/ACP e que transmitia informações da manifestação (que tinha mais de 800 mil pessoas) e disponibilizava um telefone que os manifestantes podiam ligar, gravar seu relato da manifestação e isso era colocado no ar na rádio praticamente de forma simultânea. Projetos de telemática feitos no local fizeram com que professores das escolas de Madrid levassem os alunos para conhecer o espaço. A desocupação do Labo 03, com muita repressão por parte de polícia, foi acompanhada mundialmente pela comunidade ativista. Como tentativa de continuação do projeto houve ainda uma última ocupação e a criação do Labo 04 que acabou não durando muito tempo e terminando em Julho de 2003.
Em Barcelona conheci muitas ocupações, entre elas a Les Naus e a Casa da Montanha. Les Naus é uma ocupação feita em 1991 por oito pessoas que entraram numa casa abandonada e a transformaram numa habitação. Em 1994 um grupo de jovens fartos de não terem espaço para se expressar artisticamente e de não terem espaços abertos e autogeridos transformam o lugar num centro social limpando uma grande área que continuava suja e abrindo o espaço para atividades como teatro, circo, dança, exposições de esculturas e fotografia entre outras. Iniciam também um processo para conseguir pessoas que ajudassem na gestão do espaço. Hoje a ocupação além de servir de local para reunião de diversos grupos, tem atividades culturais constantes buscando ser um espaço que apresente espetáculos a preços populares aos espanhóis de Barcelona. É um centro social autogerido que toma as decisões em assembléias horizontais e por consenso. A Casa da Montanha tem uma história muito interessante. Foi uma casa doada pela família Güell ao governo espanhol no início dos anos 1900 pois o dono queria que a casa fosse uma sede da Guarda Civil. Depois de utilizada por um tempo a casa foi abandonada e ocupada em Novembro de 1989. É um local onde vivem pessoas e que também funciona como um centro social que tem como objetivos a difusão da autogestão e do radicalismo autônomo e antiautoritário. O local tem ainda uma biblioteca e faz freqüentemente diversos tipos de oficinas.
A repressão na Espanha tem sido feita de forma bastante institucional com a aplicação de multas (existe um processo muito funcional que caso os multadosnão paguem as multas, suas contas correntes no banco são bloqueadas imediatamente) e com os processos sobre os ativistas envolvidos com as ocupações. Presenciei um evento em Madrid em protesto ao julgamento de mais de 150 ativistas que estão sendo processados (e correndo sério risco de serem presos/as) por terem feito uma ocupação em 1998.
Estive em algumas assembléias e conversei com gente envolvida com o movimento okupa e pude traçar uma espécie de “perfil” dos ocupantes europeus. Ao contrario do que geralmente acontece no Brasil, onde famílias carentes invadem prédios e terrenos para morar, na Europa quem faz as ocupações são na maioria jovens com idade próxima dos 25 anos (salvo um ou outro mais velho) e que vivem com dinheiro recebido de empregos temporários ou do chamado “paro” que é o auxilio do Estado para desempregados. Nas assembléias, muitas discussões práticas acerca de como iriam fazer as novas ocupações e quais deveriam ser as relações que a ocupação deveria ter com os vizinhos ou polêmicas como se pediriam ou não apoio a Izquierda Unida (uma coalizão de partidos da esquerda) ou sobre as estratégias de resistência no caso da policia tentasse desalojá-los.
Independente de discussões teóricas, a prática autogestionária pode ser notada desde as assembléias, que são bastante horizontais e participativas, até as atividades desenvolvidas nas ocupações.
No momento que deixei a Espanha o mesmo grupo que foi desalojado (cuja historia contei no inicio do texto) planejava uma nova ocupação ainda para o mês de Outubro.
Sites:
Miles Viviendas:
Les Naus:
Casa da Montanha:
Laboratorios: