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Entrevista a los MTDs Solano y Guernica

09.02.05

Entrevista realizada no dia 29 de janeiro de 2005 com integrantes do Movimento de Trabalhadores Desocupados de Solano e Guernica, Argentina, no Acampamento Intercontinental da Juventude em Porto Alegre.

CMI - O que é o MTD e quando surgiu este movimento na Argentina e na América Latina?

Maba (MTD Solano) - MTD é uma organização, um movimento de trabalhadores desocupados, que surgiu na Argentina mais ou menos no ano de 1997, em meio a um contexto de explosão do Neoliberalismo e de fechamento de fábricas, e uma desocupação que aumentava e aumentava e havia cada vez mais gente nas ruas. Então o governador da Província de Buenos Aires para acalmar um pouco aos desocupados que estavam reclamando, cria uns planos sociais de subsídios para os desempregados e então a partir daí surge a inquietação dos desocupados que começaram a organizar-se para reclamar estes subsídios, em princípio, e a partir daí cada MTD que surgia tratava de reivindicar outras coisas além de se organizarem para reclamarem questões reivindicativas ao governo e começaram a questionar outras coisas, como o porque da desocupação, o que significa estar desempregado, o que significa estar fora do sistema, se queríamos ou não voltar a fazer parte do sistema… Então, estas questões começam a tomar forma e corpo e se torna muito importante este tipo de discussão dentro da organização. Nascem dentro da lógica da desocupação, porém, o caminho percorrido até o dia de hoje mostra que vai muito mais além disso.

CMI - E qual é a forma de organização do MTD? Quais os princípios? Existem princípios únicos que unem todo o movimento?

Maba (MTD Solano) - Sim, temos princípios organizativos que são a horizontalidade e autonomia. Autonomia de todos os partidos políticos e todos órgãos do Estado e a sindicatos. E horizontalidade como forma de nos relacionar, assim com a maneira de tomar as decisões. No início surgiram com princípios - ‘Vamos ter uma organização que funcione desta maneira’ - porém, no caminho fomos dando conta que não podíamos dizer que somos horizontais, que somos autônomos, porque fomos percebendo que isso se constrói no dia a dia, e que a luta cotidiana mais forte nossa dentro das organizações é construir e desenvolver a autonomia e a horizontalidade. As decisões, tomamos todos, em assembléias, discutimos entre todos e não podemos dizer que somos totalmente horizontais entre nós porque existem ainda entre nós mesmos relações de poder, lutas de poder, competências, esse tipo de coisas que estamos tratando de erradicar, de tirarmos da cabeça este tipo de relação. Autonomia também no que diz respeito ao poder, nós não queremos depender de partidos políticos, ou seja, que outros pensem por nós, ou que o Estado seja o que nos subsidia, e também construir um projeto fora da idéia de tomada do poder. Isso é importante para a gente. Compartilhamos muito, por exemplo, a experiência Zapatista, algumas outras experiências de auto-organização na América Latina, como é o caso do Mapuches, no Chile, de comunidades bolivianas. É dizer, não nos interessa a construção pela via da tomada de poder e pela confrontação com o Estado, nos interessa construir outras formas de poder, que têm mais a ver com nossas realidades.

CMI - E hoje, como está o movimento MTD na Argentina e mais especificamente em Solano? Tem crescido no bairro? O bairro é um bairro grande? Porque sabemos que quanto maior a quantidade de pessoas fica mais difícil fazer um projeto de autogestão e de autonomia…

Neca (MTD Solano) - Somos distintos movimentos autônomos, que nos organizamos territorialmente como é o caso de Guernica, Solano, Allen, Cipolletti… em distintos lugares do país. E por aí, fomos passando por processos diferentes quanto a quantidade, e isso tem muito a ver com momentos conjunturais, há ali um momento de muita cooptação por parte do Estado, de muito controle social. Então, se trabalha muito nos bairros para controlar as organizações, se oferece muitas reivindicações, coisa que antes quando não havia luta isso não acontecia, então, isso faz com que vá variando quanto a quantidade. Eu creio que estamos fazendo uma experiência de crescimento em relação ao qualitativo, isso de entender, que a luta a construímos nós e que o que vamos conseguindo é para nós e para ninguém mais e nesse sentido creio que estamos em um momento de processo muito interessante, muito forte.

CMI - E como os MTDs vêem projetos como o Fórum Social Mundial? Por exemplo, aqui temos espaços distintos como o caso do Acampamento Intercontinental da Juventude, que goza de certa autonomia, e a estrutura oficial do Fórum. Como vocês vêem o Fórum?

Neca (MTD Solano) - Existem realidades muito distintas no Fórum. Nos parece muito importante esta realidade que vai se autogestionando, porque tem a ver com esta nova idéia de nos pensarmos como protagonistas de uma luta diferente. Tanto o Fórum como outros espaços que vão surgindo pela necessidade de articular a luta muitas vezes podem cair na manipulação também, e no controle por parte do Estado, de algumas ONGs. Com efeito, cremos que depende muito de nós, do que participamos no Fórum e do que fazemos para que o Fórum continue sendo nosso. Então, cremos que este é um espaço interessante de encontro.

CMI - A respeito da construção da autonomia, em sua análise, o que conseguiram até hoje dentro do MTD?

Viki (MTD Guernica) - Estamos dando passos. Passos que tem a ver com como definir como o Estado não nos maneje, como decidir de que maneira trabalhamos, que projetos autogestionamos. Estamos dando passos. Não é a revolução não, vamos dando passos todos os dias. É um processo interessante, porque de alguma maneira, se tem gestionado desde os projetos produtivos até a possibilidade de decidir o que, como e quando se fazer. É um pouco isso, é a liberdade de poder decidir coisas, da autonomia que temos que construir todos os dias a cada passo, não é tão simples.

Neca (MTD Solano) - Também descobrimos que a identidade e a dignidade podemos construir nós mesmos. Isso que dizia Maba pouco antes, o Estado em algum momento nos colocou no lugar de desocupados, nós não nos reconhecemos como desocupados, nos reconhecemos como pessoas capazes de criar um mundo diferente e trabalhamos muito por isso. Essa é nossa identidade, essa é nossa dignidade, e creio que de alguma maneira estamos provando a liberdade com tudo isso, quando não há quem nos diga o que temos que fazer.


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