Congresso Unicamp: “Revolucionar os métodos e as estruturas”
Por Ricardo
Este texto, apesar de não ter sido publicado no Caderno Oficial do 6º Congresso dos Estudantes da Unicamp, é uma Tese fruto de um processo de discussão e ação conjunta entre vários estudantes. Seguem abaixo as nossas contribuições.
Conjuntura Nacional
Todos acompanharam pelos jornais e a televisão a crise do Governo Lula e do Congresso Nacional, que a cada dia revelavam novos escândalos de corrupção. Assistimos a maior crise política do nosso país desde a “redemocratização” nos anos 1980. Porém, a grande mídia apresenta a corrupção como se fosse alguma novidade na história da democracia burguesa, apresentando como paladinos da ética antigas figuras da podridão parlamentar, apagando o passado corrupto de governos anteriores, como, por exemplo, a compra de votos para a aprovação do projeto de reeleição do PSDB. A corrupção é intrínseca ao Estado, no capitalismo, e necessária para a sua manutenção.
O que a mídia não discute é a real profundidade desta crise e suas proporções. A crise política expressa uma disputa entre os diversos setores da classe dominante, que teve início no final do governo FHC. Não encontrando em Serra uma candidatura forte para continuar a aplicar as políticas neoliberais e temendo a explosão de grandes manifestações de massas no Brasil como aconteceram nos países vizinhos, elas se dividem e parte dela encontrará no PT a saída para seus temores. Com toda sua inserção no movimento operário e estudantil, com o apoio dos movimentos populares, o PT era o único partido capaz de continuar o projeto neoliberal sem que houvesse uma explosão da luta de classes, o que de fato aconteceu até agora.
Mas mesmo com a vitória do PT, estas disputas não cessaram. A crise se expressou de forma mais clara com os escândalos do “mensalão” e ficou latente quando o PT perdeu a presidência da Câmara dos Deputados para Severino Cavalcanti. Os partidos burgueses, que defendem um projeto para a classe dominante (PFL, PSDB, PPS, PTB, PP…), tentam se beneficiar da crise apropriando-se de bandeiras que historicamente não defendem, por exemplo, tentando aprovar o aumento do salário mínimo ou, no caso de São Paulo, o aumento de verbas para a educação. Mas nenhum deles questiona a política econômica, que tanto lhes beneficiam.
Enquanto a crise ainda se mantém nos altos, abre-se a possibilidade de uma nova ascensão de massa contra o governo e o sistema vigente. O PT e PCdoB através da UNE, CUT, e com a ajuda do MST, dentre outras organizações, tentam de todas as formas conter o surgimento destas lutas. Mas a própria disputa entre os partidos burgueses abre a possibilidade de novas mobilizações entre os de baixo, como foi o caso da luta contra o veto de Alckmin no Estado de São Paulo que rompeu com a calmaria nas três universidades públicas.
Esta crise também abre uma discussão importante para os trabalhadores e a juventude. Ela representa a falência de um projeto político que há 25 anos vem se construindo no seio do movimento operário e estudantil; não foi uma “traição” ao movimento operário e popular, mas sim uma impossibilidade da realização de um projeto de transformações através da utilização do Estado capitalista como elemento-chave do projeto. No governo, o PT, aprofundou as políticas neoliberais com as Reformas da Previdência, Universitária e Sindical-Trabalhista, e agora manchou sua história de “partido ético”. É necessário discutir as conseqüências deste partido nos nossos movimentos, seus métodos e bandeiras, e negar tudo aquilo que ainda se perpetua entre nós e tanto emperram nossas lutas. Abre-se um precedente histórico onde podemos a partir do velho, construir novas estruturas e métodos. O movimento estudantil não pode ficar à parte disso.
Caráter da Universidade
A universidade cumpre um papel importante dentro do capitalismo: suprir a demanda de mão de obra (qualificada) para o mercado e (re)produzir a ideologia da classe dominante; é nela que são realizadas as pesquisas necessárias para o capital e produzidas as teorias da burguesia – mas isso não quer dizer que ela não seja um espaço que possa ser utilizado pela classe trabalhadora na contestação desse sistema. Nos últimos anos este caráter ficou mais evidente com a entrada do capital privado, com o projeto do Banco Mundial de transformar a educação em mercadoria, com a Reforma Universitária (com o financiamento privado da universidade pública) e com o Cartão Universitário (parceria Banespa-Santander e a Unicamp).
As estruturas antidemocráticas e burocráticas da universidade servem para acentuar e manter o seu caráter. Possuindo grande maioria nos órgãos de decisão da universidade, uma grande parte dos professores, que são minoria na população acadêmica, impõem seus interesses sobre a maioria, e são justamente estes mesmos professores os principais defensores da entrada de capital privado no financiamento das universidades, pois existe um interesse material em manter seus convênios, suas pesquisas direcionadas ao mercado, a prestação de serviços às empresas, e a criação de Fundações e Empresas Seniors, etc..
Isto se reflete no movimento sindical dos docentes, visto que esta categoria hoje é a menos mobilizada nas greves das universidades e suas assembléias permanecem esvaziadas. Com a entrada do capital privado, insere-se também no meio acadêmico a lógica do mercado. Os professores, em sua maioria, não querem uma greve, porque isso significa perda do investimento privado em suas pesquisas, pois isso pode acabar por prejudicar os interesses das empresas financiadoras, como a Microsoft ou a Ajinomoto, que teriam suas pesquisas interrompidas.
Esta lógica do mercado dentro da universidade também se reflete nos movimentos dos trabalhadores e dos estudantes. No caso dos funcionários, a terceirização é sua maior expressão. Hoje os terceirizados são o setor mais precário, possuem salários menores que os trabalhadores contratados pela própria universidade, não têm direito à greve, nem plano de carreira e estão sujeitos a serem demitidos a qualquer momento. Isso ajuda a dividir os trabalhadores, dificultando suas lutas. Portanto, é necessário encontrar formas de unificá-los com os funcionários públicos da Unicamp, assim como vem acontecendo na USP, garantindo vitórias conjuntas.
Ao mesmo tempo em que a universidade recebe o capital privado, a verba pública diminui para todos os cursos e universidades, acentuando a diferenciação entre os cursos e os estudantes. Há institutos que recebem uma série de empresas para realizar pesquisas para elas, e outros que, por serem considerados improdutivos para este sistema, como os cursos na área de humanas, ficam débeis em suas estruturas. É a lógica cruel da concorrência e da produtividade que se impõe hoje aos institutos, professores e estudantes.
Isso acaba por se refletir no próprio movimento estudantil, em momentos de greve e mobilizações, no qual a maior parte dos participantes é de alunos dos cursos precarizados, o que não significa que os únicos lutadores virão destes cursos, pois os estudantes de outras áreas também sofrem com os problemas da universidade, por exemplo, a falta de assistência estudantil. O que ocorre é uma ausência na discussão de determinados institutos, impossibilitando a compreensão de que a iniciativa privada descaracteriza o caráter da universidade pública. É necessário lutar para que a universidade seja financiada somente com verbas públicas, acabando, assim, com as diferenças entre os cursos e, também, entre as universidades.
O movimento estudantil tem que superar estas divisões, sem esquecer os exemplos de lutas significativas do passado, como maio de 68 na França, e a Primavera dos Povos em Praga, dentre outros, quando os estudantes, através de ações radicalizadas e métodos antiburocráticos, questionaram o caráter burguês da universidade e abalaram as estruturas da sociedade, impondo suas demandas através de suas mobilizações. Mas isso foi possível porque se aliaram com os trabalhadores.
Apesar dos estudantes não serem uma classe social, eles podem representar uma força que modifique o rumo da luta de classes. Para isso o movimento estudantil deve tomar para si um projeto classista de universidade e sociedade. Para nós, é necessário lutar ombro a ombro com aqueles que possuem o papel central na destruição do capitalismo, a classe trabalhadora. Podemos desde já nos ligar aos trabalhadores da unicamp, ajudando nas suas discussões e mobilizações, sem cair numa velha discussão de que estas cabem às entidades das respectivas categorias (DCE ficando com os estudantes, STU com os funcionários). Somente assim daremos um passo para revolucionar a universidade e coloca-la a serviço dos trabalhadores.
Por uma nova tradição no movimento estudantil
A falência do PT e a crise do Governo Lula abriu no seio do movimento operário e estudantil a discussão sobre os métodos e as bandeiras que este partido e seus aliados trouxeram para os movimentos nestes últimos anos. Ao mesmo tempo, novas alternativas vão surgindo com o desenvolver das lutas. Tivemos a criação da Conlutas e da Conlute, das Assembléias Populares e de Esquerda, que, com todas suas diferenças, expressam uma reorganização daqueles que continuam lutando. É necessário rediscutir nossas concepções, reavaliar nossas ações, repensar nossos métodos, para que avancemos em nossas lutas. Para nós, a auto-organização e a democracia direta daqueles que estão na luta deve permear todas as nossas discussões.
Vimos que a UNE deixou de ser uma entidade capaz de unificar as lutas dos estudantes. Além de sua enorme burocratização, ela não mais tem respaldo entre os lutadores. Deste modo, o necessário rompimento com a UNE abre a possibilidade de se construir uma nova tradição no movimento estudantil, negando todos os vícios estruturais e políticos que tanto atravancaram as mobilizações do movimento.
Neste contexto surgiu, em abril de 2004, a Conlute, para coordenar por fora da UNE as lutas dos estudantes, como a luta contra a Reforma Universitária. A Conlute teve um papel progressista ao romper programaticamente com aquela entidade, mas ao mesmo tempo a força majoritária manteve os vícios burocráticos cristalizados no movimento estudantil, o que para nós é a maior causa pela qual muitos estudantes não enxergam nela uma real alternativa de luta e o principal empecilho para que esta coordenação se cole organicamente nas diversas mobilizações dos estudantes. As estruturas burocráticas, as decisões de cima para baixo, os métodos antidemocráticos do PSTU, como foi o caso da ultima Plenária ocorrida em Brasília, devem ser combatidos desde já. Dentre as pessoas que assinam a presente tese, algumas defendem a necessidade da entrada na Conlute pelo seu papel progressista, mas travando dentro dela uma luta antiburocrática, contra os acordos de cúpula, estruturando-a através de delegados mandatados eleitos pela base, expressando a opinião de maioria e minoria em todas as instâncias, desde as plenárias aos jornais e boletins. Por outro lado, outras pessoas que assinam esta tese avaliam que a Conlute não se apresenta atualmente como a melhor alternativa, uma vez que ainda se utiliza de velhas práticas semelhantes a da UNE como a supressão de espaços de discussão e, visto a sua construção ter se dado de maneira burocrática e vertical, pois a reconstrução do movimento não se dá simplesmente na reconstrução da entidade, mas sim por um processo maior de articulação dos estudantes.
Esta tese abarca ambas as posições, visto que a questão da Conlute não pode limitar a unificação dos diversos setores do movimento estudantil que hoje fazem uma luta contra a burocracia e as reformas neoliberais. Para nós, é necessário romper com as práticas sectárias que vêm sendo desenvolvidas pelo PSTU e PSOL, e por outras correntes, de fazerem lutas isoladas para se autoconstruírem. Achamos necessária a construção de um Pólo, que unifique aqueles que estão na Conlute e fora dela, inclusive a esquerda da UNE, nas lutas pelas demandas dos estudantes, contra o governo, as reformas neoliberais e por novas estruturas do movimento e da universidade.
Quando levantamos a necessidade de construir uma nova tradição para o movimento estudantil, esta não tem nada a ver com a auto-afirmação do grupo que está a cinco anos no DCE, que diz aplicar uma “nova metodologia”. Na verdade, o “novo” do DCE tem de fundo o que há de mais velho nos movimentos, e no caso, na tradição petista: os métodos burocráticos e autoritários. Exemplos disso são os acordos de cúpula, as decisões tomadas de cima para baixo, a centralização do movimento em suas mãos, a valorização de espaços que burocratizam a luta, e também a abordagem metódica de convencimento dos coordenadores que utilizam um discurso completamente despolitizado, que descaracteriza o movimento.
Quando se vêem obrigados a acatar as demandas do movimento fazem de tudo para barrar a mobilização e minar a organização dos estudantes que ocorrem por fora do aparelho do DCE. Um exemplo pertinente foi o caso da luta contra o Cartão Universitário (CU) ocorrida no início do ano através dos pula-catracas. Esta não foi uma iniciativa do DCE, mas, sim, de muitos estudantes auto-organizados. Vista a possibilidade de perderem as rédeas do movimento estudantil, o DCE colocou um fim na mobilização através do Conselho de Representantes de Unidade (CRU), onde milhares de estudantes são representados por poucos estudantes, que muitas vezes não consultam suas bases para tomarem as decisões. Isso tem como conseqüência a desvalorização das Assembléia Geral como espaço máximo de decisão. Um exemplo disso foi as poucas assembléias ocorridas neste ano. Não defendemos o fim do CRU, mas, pelo contrário, acreditamos que este deve ser um espaço de organização e articulação dos Centros Acadêmicos, para discussão acerca de suas demandas e das deliberações tiradas em Assembléias, envolvendo os diversos institutos.
O DCE precisa representar as diversas posições políticas existentes entre os estudantes. Por isso defendemos a Proporcionalidade, ou seja, que as cadeiras do DCE sejam divididas proporcionalmente entre todas as Chapas que o disputaram de acordo com a votação. Desta forma ficará mais difícil a apropriação de um só grupo político e se expressarão melhor as divergências, pois estas terão que ser decididas não entre quatro paredes, mas sim nas Assembléias.
Desta forma, colocamos como pauta do dia uma nova forma de se conduzir o movimento: a auto-organização e a democracia direta daqueles que estão na luta. Por isso as Assembléias devem ser retomadas como um hábito constante, pois este é o único espaço em que todos os estudantes que estão envolvidos na luta podem se expressar e construir os rumos do movimento. Queremos decidir diretamente os caminhos que o movimento estudantil deve seguir, sem precisar passar pelos “representantes”. Os estudantes se organizando a partir das bases e não ficando dependentes da gestão do DCE ou dos CAs. Por isso o espaço das Assembléias é mais importante que o espaço do CRU, pois é nele que se poderão expressar, diretamente, os diversos estudantes em luta. É necessário que as estruturas do movimento, tanto a Conlute, como o DCE, CAs e o Fórum das Seis estejam a serviço da mais ampla democracia direta dos que lutam, e que por essa via seja capaz de expressar os diversos setores mobilizados no movimento estudantil através de uma discussão política, e não através de uma luta de aparato e de meras plataformas eleitorais.
Vemos também a necessidade da realização de um encontro das universidades públicas urgentemente, para que (re)nasça o diálogo entre os estudantes das diferentes universidade e possa ser discutida a organização necessária para o movimento conjunto. Para isto, deve se formar uma coordenação estadual, por delegados, entre UNICAMP, UNESP, FATEC e USP, capaz de carregar e defender a posição tomada pelo conjunto dos estudantes frente às demais instâncias representativas e institucionais.
É preciso que o movimento estudantil esteja novamente nas mãos dos estudantes, impondo um funcionamento baseado em sua auto-organização, a serviço de uma política que impulsione a luta pelas nossas demandas.
Assinam esta tese:
Ana Carolina Artol (CSD04)
Ana Maria (CSD 04)
André Keller (CSD 05),
Cassiana Rodrigues (CSD04)
Fabi Choi (CSD 03)
Heber Rebouças (CSN 03)
Henrique Áreas (CSD 03)
João Victor (CSD 04)
Jordana Dias Pereira (CSD04)
Julia Moretto CSD02
Juliano Martoni (CSN 05)
Luciana Ramirez (CSN 04)
Marília Moschkovich (CSN 05)
Marília Moschkovich (CSN05)
Nara Roberta (CSD 04),
Rafael Aroni (CSN 03),
Renata França (CSN 05)
Renato César (CSD 04)
Ricardo Festi (CSD 01)
Ricardo Floc (CSD 02)
Rodrigo Vieira Lima (CSD04)
Tatiana Gonçalves (CSD 05)
Tatiana Prado (CSD 04)
Thiago Franco (CSN 03)
Yssyssay Rodrigues (CSD 04)
Newton Perón (Fil)
Paty Ferreira (Pedagogia 01)
Rafael Belluomini (Hist 03)
Thomaz Fonseca (His 04)
Pedro Pereira (LetrasD04)
Anselmo Rizante (ECO02)
Jean Peres (ECO02)
Mariana Machtte (ECO01)
Patrícia Tavares (ECO05)
Krishna Monteiro Mest.Pol.
Hélio Azara (Mest. Fil)
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