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Ocupaciones urbanas - La práctica del anarquismo social en Rio de Janeiro

16.11.05

OCUPAÇÕES URBANAS - A Prática do Anarquismo Social no RJ
Por Felipe Corrêa 15/11/2005 às 23:32
Indymedia Brasil

Artigo publicado no periódico Protesta!, feito pelo Coletivo Anarquista Terra Livre, Federação Anarquista do Rio de Janeiro e Coletivo Libertário Ativista Voluntariado de Estudos.

Acreditamos que a maioria dos males que afligem os homens
decorre da má organização social; e que os homens,
por sua vontade e seu saber, podem fazê-los desaparecer.
Errico Malatesta

Vontade; o elemento-chave colocado por Malatesta para impulsionar as mudanças sociais. Talvez seja essa a palavra que melhor representa o trabalho dos companheiros anarquistas do Rio de Janeiro. Em uma breve análise da recente movimentação libertária na cidade, podemos citar a fundação da Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ) como um marco. Seu processo de formação iniciou-se a partir de um grupo de discussões sobre as formas de organização do anarquismo e durou em torno de um ano e meio. Com o término das atividades do grupo de discussão, houve o consenso sobre a fundação de uma organização do tipo especifista (uma federação de individualidades anarquistas que constroem, no seio da organização, suas distintas frentes de atuação social). Desde sua fundação, que veio concretizar-se em 30/08/2003, a FARJ vem trabalhando em inúmeros projetos, cujo principal objetivo é colocar as idéias anarquistas em prática. Como diz seu próprio Manifesto de Fundação, “a sociedade do futuro nascerá de nossa capacidade de realizar, a partir de agora, cotidianamente, as generosas aspirações que o anarquismo, ao longo de várias gerações de luta e esforço militante, legou à humanidade”.
Dentre os inúmeros projetos desenvolvidos pela FARJ, está o Centro de Cultura Social (CCS), localizado na zona norte da cidade, que serve de espaço para o trabalho comunitário, recebendo assembléias de muitos tipos, produção autogerida de bolinhos juntamente com membros da comunidade do Morro dos Macacos, reforço escolar, reciclagem, prática de capoeira – ensinada como autodefesa e cultura de resistência – e ainda abriga a Biblioteca Social Fábio Luz desde 2001. O CCS funciona como um espaço de militância ampliado, é uma frente de trabalho da FARJ, dentro da qual colaboram outros grupos como o Coletivo Libertário Ativista Voluntariado de Estudos (CLAVE) e o Grupo de Ação Libertária (GAL). Além destes grupos marcadamente anarquistas, ainda estão no CCS outros organismos de atuação social com os quais a FARJ tem afinidades táticas e concorda em alguns pontos específicos no que, grosso modo, poder-se-ia considerar estratégico. Entre esses estão o Comitê Contra a Tortura e a Prisão Política no Brasil e outros com formação ideológica eclética.
Com o objetivo de aumentar seu campo de ação a FARJ envolveu-se aos fins de 2003 no trabalho com as ocupações urbanas cariocas. Neste momento, alguns militantes da FARJ passaram a freqüentar as assembléias das ocupações Olga Benário, em Campo Grande, e Vila da Conquista e Nelson Faria Marinho, em Jacarepaguá. Os trabalhos desenvolvidos, de cunho essencialmente político, têm como objetivo organizar os moradores e o apoio às demandas entendidas por eles como prioritárias. Assim que possível, estreitaram os laços destas comunidades com os organismos de classe mais avançados. Alguns sindicatos chegaram mesmo a viabilizar, de forma inequivocamente solidária, obras de infraestrutura, abrindo linhas de fomento que continuam ainda hoje. Posteriormente, os trabalhos da FARJ ampliaram-se em outras ocupações como a Poeta Xynaiba, na Tijuca, e Margarida Maria Alves, em São Gonçalo. Em todas estas ocupações a FARJ busca estimular a organização autônoma, o desenvolvimento da solidariedade entre elas, além de insistir na adoção do método federalista para a organização de uma aliança política entre todas as referidas comunidades.
Uma conquista importante das comunidades, e que contou com o apoio dos anarquistas, foi a condenação do estatuto jurídico da propriedade privada, praticamente banido de todas as referidas ocupações. Além da correspondente adoção do trabalho sob forma de mutirão, os moradores hoje, na sua quase totalidade, rejeitam a democracia representativa como via para resolver seus problemas. Os políticos profissionais não são admitidos nas assembléias decisórias e a propaganda eleitoral está proscrita. Portanto, é na ação direta, e na aliança com as outras organizações de trabalhadores, que os moradores confiam para resolver seus problemas.
Já há alguns meses, o trabalho anarquista com as ocupações urbanas conta com a participação dos grupos CLAVE e GAL que desenvolvem um belo trabalho pedagógico, intervenções lúdicas com o público infanto-juvenil e participação nas assembléias. Fundamentalmente, o que motiva a ação destes grupos é a crença que o anarquismo deve retomar sua trajetória classista, desenvolvendo trabalhos de relevância aos ocupantes.
O anarquismo social, muito diferente deste anarquismo de comportamento ou de estilo de vida que estamos acostumados a ver, preconiza um retorno organizado às lutas populares, estimulando a presença anarquista junto aos oprimidos, na busca pela emancipação econômica e pela liberdade. O anarquismo social, neste sentido, não deve ser entendido como algo novo, inovador. Apesar de o anarquismo ter perdido, com o tempo, este viés social, este anarquismo busca o retorno dos anarquistas a uma atuação social mais profunda e comprometida junto aos trabalhadores e, principalmente, aos marginalizados da sociedade, como os sem-teto, os sem-terra, os indígenas, etc. É na atuação social que as contradições do capitalismo são mais explícitas. Dessa forma, na própria ação concreta e cotidiana do militante, ele poderá desenvolver o senso crítico e associar o acumulo teórico que apreendeu em suas leituras às necessidades contemporâneas de transformação. Uma vez que entendemos o anarquismo como algo vivo e vivido não é possível ser libertário sem, de posse dos meios necessários e trabalhos concretos, definir posições e implementar políticas claras para o combate ao capitalismo.
Outra atividade muito interessante desenvolvida pelos companheiros cariocas é uma espécie de projeto de “gestação” das ocupações urbanas que acontece periodicamente no CCS e cujo objetivo é organizar em suas dependências, populares que, uma vez sem possibilidades de arcar com as despesas de aluguel, necessitam de moradia e que estão dispostos a ocupar. Assim, oferecem espaço para o encontro dessas pessoas, para que se conheçam e comecem a atuar de forma horizontal, sentindo os primeiros efeitos da autogestão. Participam de assembléias que decidem, desde o nome das futuras ocupações, até suas comissões e divisões de tarefas. Além disso, estimula-se a ação direta para a conquista de sua moradia, o que não deixa de ser um maravilhoso elemento pedagógico que modifica as consciências, mostrando que não devemos depender de um partido ou de um governo para a resolução de nossos próprios problemas.
Os companheiros do Rio de Janeiro estão, de fato, preparando os espíritos para a luta anticapitalista e auxiliando, como minoria ativa que são, os trabalhadores a se organizarem contra os que os oprimem e, não menos importante, atacando o sistema no que ele possui de mais estratégico que é a propriedade privada. Entretanto, há uma constante busca para que o trabalho não se restrinja a ocupações isoladas. É necessário que esse fenômeno se espalhe em progressão geométrica, e, uma vez crescendo, que estejamos nós libertários presentes no processo, para garantir nele a permanência do que de melhor contribuímos para a sua formação. Uma organização federada local deve apontar para uma regional e, em um futuro breve, com o auxilio de outros companheiros, uma que se articule no território nacional. Talvez seja esse o grande desafio que, no Rio de Janeiro, os companheiros tentam desenvolver com cuidado, humildade, mas com muita firmeza.
A FARJ não se quer uma organização exportadora modelos. Entretanto ela claramente sugere que os companheiros anarquistas retomem as iniciativas de trabalho social que tantos episódios nos fizeram protagonizar na História. E que, se de certa forma, o anarquismo se constituiu como teoria revolucionária é por ter rejeitado o papel de filosofia da História. Optou pela transformação e não pela gestão ou interpretação dos fatos por aqueles que mais observam que fazem. O anarquismo que nasceu do povo, só pode sobreviver dentro dele, não como uma testemunha isenta dos feitos humanos, mas se humanizando nos seus próprios feitos.
Esse importante trabalho que está sendo realizado no Rio de Janeiro deve servir de exemplo a todos aqueles que querem trabalhar pelo socialismo. É, sem dúvida, um raro exemplo da vontade e do saber, outrora ressaltados por Malatesta.

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