Invasores dizem que vão resistir à reintegração de posse
O terreno plano ganha contornos ao som do martelo. Da terra - antes coberta apenas pelo mato - sobem paredes, constroem-se tetos, nascem barracos. Por todos os cantos, a construção não pára. Cerca de 300 famílias reunindo perto de mil pessoas já moram no local, uma enorme área da Prefeitura, ao lado da Estação Itaquera do metrô, na zona leste de São Paulo. Muitas outras pregam pedaços de madeira para fazer o mesmo. Todos eles querem moradia.
Se hoje o cenário lembra o de um acampamento, logo o lugar poderá se transformar em mais uma favela da capital. “A gente não vai sair daqui sem uma resposta”, promete Vera Lúcia Alves, de 41 anos, presidente da União Popular de Moradia Adão Manuel da Silva e uma das coordenadoras da ocupação.
“Se tivermos de resistir, vamos resistir.”
Ao todo, mais de dez entidades participam do movimento, que tem um duro desafio pela frente. A Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab) obteve liminar de reintegração de posse da área, que deve ser executada hoje.
O problema começou com a decisão da Prefeitura de fazer o prolongamento da Avenida Radial Leste até Guaianases. Para a obra, o Município requisitou um terreno ao lado da linha férrea da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), onde o governo do Estado havia prometido construir mais de 2.800 moradias. Sem alternativa, as entidades resolveram ocupar outra área próxima, bem ao lado do metrô Itaquera, para forçar uma decisão.
Caminhada - Na quinta-feira, o grupo promoveu uma caminhada de protesto até o local onde a prefeita Marta Suplicy (PT) anunciava seus planos para a zona leste. Uma comissão foi recebida e, na segunda-feira, houve nova reunião com o secretário municipal da Habitação, Paulo Teixeira. “Ele se comprometeu a conseguir outra área, onde as famílias poderão ficar definitivamente”, disse o presidente da Frente Paulista de Habitação Popular, Elgito Boa Ventura, de 52 anos.
Discutida em assembléia, a proposta foi aceita pelos moradores com a condição de que um representante da secretaria fosse ao local. Como até ontem à tarde ninguém da Prefeitura apareceu, as famílias optaram por continuar no terreno. “Estamos chamando outras pessoas do movimento para ajudar na resistência à desocupação”, afirmou Boa Ventura.
Galpões - Enquanto não há solução para o problema, novos moradores continuam a chegar. Para construir os barracos, eles desmontam galpões abandonados pela empreiteira responsável pela obra do metrô. O ponto onde o primeiro deles foi erguido ganhou um nome: Vila Feliz. Fica na recém-aberta “Avenida 27 de Junho”, data em que ocorreu a invasão. Mas não há nenhuma avenida ali. “Isso tudo são sonhos”, explica o morador Geraldo Agostinho, de 60 anos, que tem seu barraco ao lado da via imaginária.
Vizinha dele, a desempregada Nilda dos Santos Leite, de 32 anos, conta que o nome Vila Feliz foi escolhido porque todos têm esperanças. Grávida de 9 meses, ela mora com o marido e os cinco filhos - de 12, 10, 9, 5 e 4 anos - em um barraco de 4 metros quadrados. “É muito difícil”, explica. “Faz muito frio e a gente dorme com o cobertor no chão.” Como o marido também está sem emprego, a família sobrevive das doações de comida que as entidades recebem e redistribuem em um galpão, localizado no terreno.
Ali, também são feitas as inscrições de todos os que querem reivindicar uma casa. A fila anda, mas não diminui. “É dia e noite assim”, diz Vera Lúcia.
“A gente ia ficar só com quem estava inscrito, mas não tem jeito. O pessoal procura e acabamos cedendo.” Segundo ela, boa parte dos que chegam tem fome.
E muitos outros têm problemas de saúde.
Os moradores que invadiram a área da Prefeitura ao lado do metrô Itaquera estão dispostos a lutar. Uma liminar garante a reintegração de posse do terreno, que pode ocorrer hoje. “Daqui só saio para o Cemitério de Vila Formosa”, garante a desempregada Maria Luzia de Araújo, de 47 anos. Ela teve de desmontar todo o seu barraco na sexta-feira, porque a construção quase caiu com o vento forte da madrugada. “Não tenho para onde ir mais.”
Maria espera que a prefeita ouça o apelo de todos. “Nós não votamos nela?”, pergunta, para responder logo em seguida: “Então, que ela dê o que prometeu para nós.” Para a desempregada, bastaria o governo municipal entregar um terreno para cada família, tijolos, cimento e o restante do material. “A gente tem vontade de construir.”
Além dos barracos, o terreno invadido já abriga pelo menos um boteco e até uma padaria, feita dentro de um contêiner. Bem ao lado do estabelecimento, a dona de casa Maria Margareth Miranda José, de 37 anos, vive em um barraco de 1,5 metro por 2,5 metros com sete dos seus nove filhos. “Venho de um lugar onde não tem vida digna”, diz. “Morava numa favela perigosa, onde nem a lei entra.” Segundo ela, não há nada melhor do que o terreno invadido.
Como muitos dos outros moradores, Maria Margareth acha que vale a pena o sacrifício para conseguir, finalmente, uma casa para morar. “Isso aqui é uma estrada sem fim”, resume o coordenador da ocupação Elgito Boa Ventura. “A gente tem de construir nela aos poucos.”