Belo Horizonte: Red anticapitalista contra el Forro de Porto Alegre

04.Nov.03    Análisis y Noticias

Mais uma vez as cortinas se abrem para deixarem límpida a presença dos especialistas pelegos nos palcos do Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Burocratas, economistas, empresários, socialistas, anarquistas, estudantes, todos sob o grito de “Um novo mundo é po$$ível!!!”, unidos em uma só redoma de falsa representação e de estratégia maliciosa por parte dos apólogos da pseudomudança no interior das margens estabelecidas pelo capital, os defensores da “busca de alternativas à globalização capitalista”. É a democracia representativa se consolidando enquanto prática falsária de absorção e contenção da radicalidade contestatória que ainda possa perdurar em focos que ainda resistem obstinadamente aos traços de opressão por parte do mercado e do Estado. É a transformação de nossa luta e de seu potencial negativo e autogestionário em alvos fáceis dos discursos reformistas e, se muito, reacionários dos representantes da democracia burguesa, serviçais do Estado.

Enquanto eles buscam o êxito posto em suas táticas de esgotamento prático, nós voltamos com a veemência de nossas propostas de auto-organização cotidianamente resgatada, através da crítica e prática radicais contra os traços mercantis e toda forma de manifestação de autoridade ou representação. Eles gritam: “Humanizar!” – nós refutamos: “Abolir!”

O Fórum, a crítica cindida, o espaço cedido…

É de fácil percepção o fato de que, assim como se apresenta a esquerda tradicionalmente reformista – como um braço alternativo do capital – o Fórum $ocial Mundial de PoA se transfigura enquanto uma outra faceta para o Fórum Econômico Mundial, protagonizado em Davos, onde se buscam formas de levante de verbas para uma participação ainda mais vulgar dos restantes estados-nações no processo de globalização do comércio mundial. A única legitimidade cedida ao ambiente fechado e culto-burguês que se expressa no Fórum de Davos, onde se buscam formas de se concretizar os cifrões mundiais, em prol da detenção da autodegradação que já sofre essa forma social do capitalismo no mundo inteiro, seria a criação de um espaço aberto, sob os moldes das escrituras democráticas, onde pudessem estar situadas as diversas variantes sociais que se expressam no mundo-em-crise, onde a sombra estatal estivesse presente, intitulada sob os desígnios do “social”, do “interativo”, do “coercivo”, mas, ao mesmo tempo, onde se poda a atuação e limita a presença à participação espectadora e passiva. Esse é o espaço do F$M, que ocorre em uma das cidades modelos do território brasileiro e onde tudo seria brasa, diversão, enquanto enquadrado nas definições estabelecidas.

O espaço se fecha para as aulas dos iluminados, que discursam “em nome do povo” as lamúrias político-corporativas para toda a mídia nacional, enquanto, do lado de fora, pessoas coagem em práticas paralelas, diretas, mas que, por ali estarem, financiadas pelos pelegos empresariais e estatais, perderam toda a sua capacitação autônoma e criativa. Os grupos ali presentes não deixam de estar criando formas de atuação coletiva, onde se possa discutir crítica e buscar práticas conjuntas, mas cessam as possibilidades de conquista e reapropriação dos espaços que não mais são nossos, pois o capital – lê-se mercado, Estado, hierarquias globais, etc. – os roubou de todos nós e agora os utilizam para legitimar seu ardil de captura das mais diversas formas de expressão anticapitalista para o interior de sua dinâmica.

A negação dos espaços cedidos pelo Estado/mercado compõe a nossa crítica-prática pela emancipação humana dos preceitos da lógica do capital, esclarecido que tais formas de estruturação tornam os traços de inquietude social alvos fáceis às estratégias de cooptação travadas pelos empresários e burocratas de plantão. O espaço realmente autônomo é aquele do qual nos apropriamos direta e radicalmente, enquanto prática cotidiana e anticapitalista. O F$M, assim como instâncias como o BID, adaptam tendenciosamente seu discurso e sua política visando uma só circunstância, que é a da absorção de tudo o que possa se manifestar “ameaçador”, adequando as expressões de luta aos fracos conceitos humanizadores e falso-paticipativos.

O grito democrático-participativo em contraste com a atuação direta e autônoma

Diz-se que a “democracia está realizada”. Tal afirmação soa de um modo tão constipador quanto a oferta neoliberal de emprego: “Qualquer emprego é melhor que nenhum!”. Enquanto isso, os traços de luta ainda combativos, mas seduzidos pela eloqüência de qualquer discurso pró-democrático, se afogam em seu próprio grito: “Qualquer participação é melhor que nenhuma!”. Não é de se surpreender que o ambiente do Fórum, dentro e fora, apresenta de forma ainda mais nítida a mercadoria que se tornou o ato de se “fazer política”, e o modo como se pode adestrar os elos ofensores da ordem de um modo tão viável.

Estão todos ali, juntos, em um mesmo espaço que diz buscar alternativas reais para o mundo, e onde é concebido o plano central das burocracias mundiais: formar, em um mesmo círculo, um ambiente onde exploradores e explorados estejam interagindo indiferentemente à contradição na qual eles estão espontaneamente colocados.

Este senso de participação que se dissemina nos meios combativos, em tais situações, é o mesmo que é alimentado em eras de eleições ou dos pagamentos de impostos, onde a cidadania, que nos é imposta a base de pau e bala, é legitimada e a passividade se torna uma evidência da hipocrisia democrática na qual vivemos. Não há como conciliar essa forma de participação estipulada pelos pelegos e a atuação direta dos agentes do combate que é travado a todo o momento, sem intervalo, contra o capitalismo. A participação é atrativa enquanto os espaços já nos foram tomados e agora são utilizados como armas mantenedoras da ordem por parte daqueles que estão a serviço da mesma. A atuação direta não interessa aos patrocinadores do F$M, pois vai contrária a todos os valores ali gerados, que são os valores da passividade, omissão e da falsa interação.

As alternativas buscadas nos acampamentos, enquanto forma de contato com diferentes vertentes da resistência, tem seu sucesso nos moldes desse tópico. Mas se a busca de intercâmbio de experiências tiver que custar a aniquilação da autonomia enquanto característica prezável da luta como um todo, ela perde todo o sentido contido em si. Não há como afirmar que se deve usar de meios contra-revolucionários para se desencadear uma posterior revolução social, pois a revolução é construída a todo o momento, na emergência das ameaças da máquina estatal e mercadológica de pulverização de toda forma de racionalidade que se exponha. Exemplo disso, temos a Argentina, onde, ao arrepio dos sintomas de crise econômico-sociais, se elevaram as classes de baixo contra as propriedades dos patrões e ocuparam ruas, fábricas, bancos e prédios afins, buscaram alternativas para a autogestão dos espaços reapropriados na base da ousadia e de destruição dos traços de verticalidade que pudessem estar a cutucar a auto-organização ali estabelecida. As ruas não sofreram trégua e os bairros são palcos de assembléias gerais, onde as organizações barriais buscam tomar decisões coletivamente para a atual situação. Este é apenas um dos exemplos que podem esclarecer e, até mesmo, inspirar a potencialização de nossa luta, enquanto luta real, cotidiana e imediata pela edificação de novas formas de relações humanas.

A busca de superação dos discursos da esquerda serviçal – desgastados e nada alternativos – é um passo a mais para a construção crítica de nossas próprias alternativas e principalmente de nossa atuação ilimitada sobre a luta social que travamos. Haveremos de nos convencer de que não há nada a ser humanizado e tampouco reestruturado na lógica do capital, já estagnada em sua própria existência autodestrutiva. Que busquemos nós mesmos manejar nossas práticas pela reinversão do mundo, de forma autônoma, direta, autogestinária e radicalmente contra o capital, ou esperemos passivamente pelo desastre social que nos é predestinado.

Lula, a esquerda capitalista e o discurso alternativo-globalizador

Vivemos, em tempos atuais, o estágio de vício esquerdo-reformista, tal que acabou elegendo Lula para a posse estatal no território brasileiro. O mundo inteiro o destaca como uma das esperanças para a fase atual da economia “emergente” (nova designação para a situação econômica de Estados Nacionais como o Bra$il) de países em desenvolvimento, enfatizando Lula como uma das meadas a serem seguidas para a detenção do processo globalizador da economia no qual o Bra$il – e o mundo inteiro – se insere há tempos. Como se os problemas da humanidade inteira estivessem restritos ao território tomado a força e denominado Bra$il, como se solução dos mesmos necessitasse de um polimento externo em primeira via para que depois busquemos atacá-lo pela raiz. Bem sabemos que a esquerda jamais buscará resolver a fio as questões atuais do mundo, mesmo porquê elas não têm solução alguma se não a sua abolição completa. Colocam remendos para todos os cantos, superficializam as causas e atacam as conseqüências, jogam pedaços de pão para as massas, acompanhando com o maior espetáculo circense possível, contanto que possam nos manter afastados de suas pretensões.

As alas mais “radicais” da esquerda – tão reacionária quanto a de Lula – soltam seus gritos vazios contra a globalização econômica, contra a ALCA, contra as pressões do mercado internacional, insistindo em se ofuscar frente às verdadeiras causas de nossa vida miserável, inerte e desprovida de sentido. A luta dessas alas sempre se vinculam aos velhos discursos de desenvolvimento nacional e soberania econômica, numa teimosia desgastante que a exploração capitalista se reduz às intervenções bancárias ou à pressão mercantil. É de fácil visibilidade que esses são apenas produtos diretos do capital, assim como o são as fronteiras – legitimadoras da concorrência intermercantil – que devem também ser negados, como parte dos planos de consolidação mercadológica por parte dos capachos do capital, mas não enquanto um fim em si. A luta anticapitalista deve transcender as fronteiras nacionais moldadas pelas classes dominantes para nos manter ainda mais separados, para nos manter inimigos/concorrentes na guerrilha declarada no interior da lógica competitiva do capitalismo.

Essas balelas reformistas soam ainda mais convincentes quando soltadas por Lula, nos palanques do Fórum $ocial – após ter comparecido no Fórum Econômico – onde ele pôde transmitir “com total segurança” seus planejamentos de ascensão econômica para o Bra$il. Não é de se surpreender o fato de ele e seu partido pelego, o PT, se disporem a negociar os tratados econômicos e de não quererem saída alguma para a ALCA. Os estudantes universitários presentes no galpão explodiram em prazer, admiraram a transmissão de experiência e o senso pacifista mantido, no momento em que Lula se pronuncia do modo mais irrefletido possível contra a segunda Guerra do Golfo. Ir ao F$M era o único modo de amenizar o fardo que ele criou sobre si ao ir negociar o socorro por parte dos sete países mais ricos do mundo no FEM de Davos, como representante. Mas, frente a isso, os descontentamentos ficaram claros. A torta na cara de Genoíno, presidente do PT, apesar de ter se caracterizado de um modo espetacularmente exibicionista na mídia corporativa, expressou o repúdio de grande parte dos movimentos que se organizam desde baixo a qualquer forma de representação, autoridade, que ouse colocar palavras em nossas bocas, esclarecendo que Lula é tão capitalista quanto todos os outros, e não haveremos de esperar nada por parte dele.

O discurso esquerdista tradicional sobre as alternativas à globalização do capitalismo é reduzido, muitas vezes preenchido de extremo pedantismo, visto que termina nessa crítica defasada de buscar alternativas a uma suposta humanização dos traços de degradação que predominam no capital, sempre desprezando as circunstâncias reais e imediatas nas quais nos encontramos. A contestação da ALCA apenas apresenta coerência quando afastada dos argumentos nacional-desenvolvimentistas, modernizadores, de embargo econômico; a guerra se apresenta numa realidade vil de expansão e acumulação, fatos tais que não devem ser desprezados.

A superação do capital, que não é nada mais que um conjunto relações sociais de produção e reprodução da vida, passa pela construção de uma crítica radical a sua origem e a sua existência, pela prática cotidiana de negação de sua lógica e construção de outras formas de interação entre as pessoas, sem líderes ou representantes, através do diálogo prático direto e da troca de experiências.

O binarismo antiguerra e a crítica modernizadora

Como se não bastasse, o espaço cedido do F$M ainda serviu de plataforma para os discursos vazios contra a guerra, emergente em tempos atuais entre EEUU e Iraque. De ambos os matizes – burocratas especialistas x movimentos de base – se enxerga a indisponibilidade em realmente mudar o que está agora estabelecido de modo imposto a todos nós. Após o discurso de Lula em Davos, onde ele cita que “questões políticas se decidem através da diplomacia e da paz entre os países” a onda petista e esquerdista se disseminou ainda mais no F$M, como se esse argumento contivesse, de alguma forma, muito conteúdo.

Movimentos ditos antiimperialistas e antiglobalização em geral se atolam no poço do nacionalismo patriótico, onde se citam questões de exploração ao mercado nacional e o desfavorecimento na disputa de mercado. Enfim, são movimentos que não estão nem um pouco dispostos a romper completamente com essa lógica de mundo corrompida e desumana, que se transfigura no valor-dinheiro e na exploração de nossas peles para a revalorização do mesmo. Se o potencial maior do capital se encontrar na política imperialista e neoliberal pregada por Bush e seus comparsas da ONU, e não nas nossas relações cotidianas, sempre voltadas para reproduzir o mercado e a representação estatal e para legitimar a nossa despossessão completa de nossa própria história; declamamos uma poesia obscura de lamelas intermináveis, onde se busca remendar o irremendável, tapar o sol com a peneira.

A questão aí não é ser contra ou a favor da guerra num senso moral de pacifismo ou num surto irracional de nacionalismo. A guerra em si é a expressão mais clara da necessidade impetuosa de expansão do capitalismo em tempos em que a crise se alastra pelo mundo afora. Estados nacionais que se apresentam por trás das maquiagens modernas – como EEUU, Alemanha, etc. – em matéria, se vêem depredados pela incapacidade de atender à demanda imposta pelo mercado mundial. No caso dos EEUU essa situação de crise também se aplica, e o alerta de guerra cai bem frente a tal situação, tanto enquanto desvio de atenção popular para mais um inimigo externo – que não seja a economia interna – quanto nas tendências apresentadas de expansão territorial, apropriação das jazidas de petróleo abundantes na área e tentativa de disseminação cultural em uma região quase intocada pelos princípios ocidentais de consumo; atos tais que são tão característicos de qualquer Estado.

É de tamanho reducionismo limitar a crítica à guerra a um cunho estatal-desenvolvimentista, ou mesmo antiimperialista, já que presenciamos, no dia-a-dia, uma guerra constante, protagonizada por exploração, espoliação e pelo massacre nossos desejos mais intensos por libertação; a guerra do pão, da terra, da produção que aniquilam nosso potencial de criação e apropriação de tudo o que produzimos coletivamente.

Não apenas os EEUU, mas TODO Estado é assassino! Comprovação disso foi o massacre de sem-terras no Carajás; são as investidas sofridas pelos Zapatistas em Chiapas pelas guardas nacionais e paramilitares do México; são os dois militantes piqueteiros mortos covardemente pelos militares argentinos, ao estouro da rebelião popular; são os ataques aos palestinos, aplicados pelo Estado israelense; são os presos políticos, que agonizam atrás das grades dos corredores da morte, das escolas, das universidades e dos campos de concentração modernos. Portanto, que mantenhamos nosso grito persistente pela mais efetiva transformação social: “Nem um, nem outro! Que se vão todos!”

A RABH: um posicionamento prático à auto-organização da luta anticapitalista

Nós, indivíduos que integram essa proposta de rede, estamos vindo através dessas críticas às táticas de incorporação da contestação aos moldes do capital, com nossas propostas de prática autônoma e cotidiana contra o mercado e o Estado.

O único palco reconhecido para se travar tal combate direto é o nosso dia-a-dia, onde testemunhamos e sofremos os traços de exploração por parte do capitalismo. Tudo deixa a ver que a adesão dos movimentos sociais ainda radicais a arapucas vulgares como o Fórum $ocial Mundial de Porto Alegre e outras atividades mais, patrocinadas por nossos algozes, causa a incapacitação do potencial autogestionário dos focos de luta que ainda optam por tal. As ruas, as escolas, as fábricas, os meios de trabalho em geral expressam a nossa incapacidade de gestão de nossa produção, de nossos espaços, de nosso tempo histórico que se torna pó nas mãos dos carrascos. Legitimar tal tragédia não cabe mais a nós. A saída brusca que nos leva ao levante mais hostil contra as camadas mercantis e estatais deve estar em nossas mãos, como expressão de nossa negação radical às categorias do capital, e de nosso anseio mais real pela superação total dessa forma de vida.

Formar um tecido de coligação desses focos assume grande importância para a articulação ampla de uma mobilização local e mundial, organizada desde baixo, contra o mercado e o Estado. E que tal tecido se torne a convergência de diferentes expressões da luta que se trava de diversas formas, por diversas experiências, em vários locais, sendo este tecido baseado na horizontalidade e no diálogo direto entre as pessoas para as tomadas de decisões. Eis o que temos em frente: uma história a ser resgatada e reedificada por nossas próprias mãos, transcendendo fronteiras, ideologias ou quaisquer valores dogmáticos que nos impeçam de criar laços mais calorosos e respeitosos com a diferença.

Rede Anticapitalista de Belo Horizonte