A Rebelião de Kronstadt

12.Nov.03    Análisis y Noticias

ALEXANDER BERKMAN

Der Syndikalist
Berlim, 1920

I. Agitações Trabalhistas em Petrogrado

Era começo de 1921. Longos anos de guerra, revolução e luta civil sangraram a Rússia à exaustão e trouxeram sua população prestes ao desespero. Mas a guerra civil estava finalmente no termo; os inúmeros frontes foram liqüidados, e Wrangel — a última esperança de intervenção da Entente e da Contra-Revolução Russa — foi derrotado e suas atividades militares na Rússia terminadas. O povo agora confiantemente aguardava o atenuamento do severo Regime Bolchevique. Era esperado que com o fim da guerra civil os Comunistas abrandassem a opressão, abolissem as restrições dos tempos de guerra, introduzissem algumas liberdades fundamentais, e iniciassem a organização de uma vida mais normal. Apesar de não ser nem de longe popular, o Governo Bolchevique teve o apoio dos trabalhadores em seus freqüentemente anunciados planos de reconstruir a economia do país assim que cessassem as operações militares. O povo estava disposto a cooperar, a dispor seus esforços criativos e sua iniciativa à terra arruinada.
Infelizmente tais expectativas foram destroçadas em desapontamento. O Estado Comunista não demonstrou qualquer intenção de amenizar o jugo. As mesmas políticas continuaram, com a militarização no trabalho escravizando ainda mais o povo, amargurando-o com maior opressão e tirania, e por conseqüência, paralisando qualquer possibilidade de revitalização industrial. A última esperança do proletariado definhava: a convicção aumentava de que o Partido Comunista estava mais interessado em manter seu poder político do que em salvar a Revolução.
Os elementos mais revolucionários da Rússia, os trabalhadores de Petrogrado, foram os primeiros a denunciar. Eles acusavam que, por traz de outras causas, a centralização bolchevista, a burocracia, e atitude autocrática sobre os camponeses e operários eram diretamente responsáveis pela maior parte da miséria e sofrimento do povo. Muitas fábricas e usinas de Petrogrado haviam sido fechadas, e os trabalhadores estavam literalmente morrendo de fome. Eles convocaram reuniões para discutir a situação. As reuniões foram reprimidas pelo Governo. O proletariado de Petrogrado, que dera a luz às lutas revolucionárias e cujo grande sacrifício e heroísmo somente já salvara a Petrogrado de Yudenitch, ressentia a ação do Governo. Os sentimentos contra os métodos empregados pelos bolchevistas continuavam a aumentar. Mais reuniões foram convocadas, com o mesmo resultado. Os Comunistas não fariam qualquer concessão ao proletariado, enquanto ao mesmo tempo comprometiam-se com os capitalistas da Europa e da América. Os trabalhadores estavam indignados — incitados. Para forçar o Governo a considerar suas demandas, greves foram convocadas nas oficinas da Patronny, de munição, nas usinas Trubotchni e Baltiyski, e na fábrica Laferm.
Ao invés de dialogar com os trabalhadores insatisfeitos o “Governo Operário e Camponês” criou um comitê de guerra, o Comitê de Defesa, Komitet Oborony, com Zinoviev, o homem mais odiado de Petrogrado, presidindo. O propósito confesso do Comitê era reprimir o movimento de greve.
A 24 de fevereiro a greve foi declarada. No mesmo dia os bolchevistas mandaram os kursanti, estudantes Comunistas da academia militar (oficiais em treinamento do Exército e da Marinha), para dispersar os trabalhadores que estavam concentrados em Vassilevski Ostrov, o bairro operário de Petrogrado. No dia seguinte, 25 de fevereiro, os grevistas indignados de Vassilevski Ostrov visitaram as oficinas da Admiralty e as docas de Galernaya, e induziram os trabalhadores a juntarem-se ao protesto contra a atitude autocrática do Governo. A tentativa de manifestação dos grevistas foi dispersada pela soldadesca armada.
A 26 de fevereiro o Soviete de Petrogrado teve uma sessão em que o proeminente Comunista Lashevitch, membro do Comitê de Defesa e do Soviete Militar Revolucionário da República, denunciou o movimento de greve em termos mais afiados. Acusou os trabalhadores da Trubotchni de incitar insatisfação, de serem “sanguessugas oportunistas e shkurniki contra-revolucionários”, e propôs que a Trubotchni fosse fechada. O Comitê Executivo do Soviete de Petrogrado, com Zinoviev na presidência, acatou a proposta. Os grevistas da Trubotchni foram “trancados do lado de fora” e automaticamente privados de suas rações.
Os métodos do Governo Bolchevista serviram ainda mais para enfurecer e antagonizar os trabalhadores.
As proclamações grevistas agora começaram a aparecer nas ruas de Petrogrado. Algumas delas assumiam um caráter distintamente político; as mais significativas, postas nos muros a 27 de fevereiro, diziam:

“Uma mudança completa é necessária nas políticas do governo. Antes de tudo, os operários e camponeses necessitam de liberdade. Eles não querem viver por decreto dos bolchevistas: eles querem controlar seus próprios destinos.

Camaradas, preservem uma ordem revolucionária! Determinadamente e de uma maneira organizada exijam:

- Libertação de todos os trabalhadores, tanto socialistas como não-partidários, presos;

- Abolição da lei marcial; liberdade de expressão, imprensa e assembléia para todos os que trabalham;

- Eleição livre para os Comitês de Fábrica e Oficina, zahvkomi, dos sindicatos e representantes nos Sovietes.

Convoquem reuniões, passem resoluções, mandem seus delegados às autoridades e trabalhem pela concretização de suas demandas.”

O governo respondeu às exigências dos grevistas com numerosas prisões e suprimindo muitas das organizações trabalhistas. A ação resultou num ainda mais crescente sentimento anti-bolchevista; mesmo slogans reacionários começavam a ser ouvidos. Então a 28 de fevereiro apareceu uma proclamação dos “Trabalhadores Socialistas do Bairro de Nevski”, que concluía com uma convocatória pela Assembléia Constituinte:
“Nós sabemos quem teme a Assembléia Constituinte. São eles que não mais poderão roubar o povo. Ao invés disso terão que responder perante os representantes do povo por sua fraude, seus roubos, e seus crimes.

Abaixo os Comunistas odiados!
Abaixo o Governo Soviético!
Viva a Assembléia Constituinte!”

Enquanto isso os bolchevistas concentravam em Petrogrado massivas forças militares das províncias e também direcionavam para a cidade os regimentos Comunistas mais confiáveis do fronte. Petrogrado foi posta sob “lei marcial extraordinária”. Os grevistas foram surpreendidos, e a agitação trabalhista esmagada com mãos de ferro.

II. O Movimento de Kronstadt

Os marujos de Kronstadt estavam bastante perturbados pelo acontecimento em Petrogrado. Não viram com bons olhos o tratamento drástico que o governo dispensou aos grevistas. Sabiam o que o proletariado revolucionário da capital tivera que suportar desde a primeira fase da revolução, quão heroicamente lutaram contra Yudenitch, e quão pacientemente sofreram a privação e a miséria. Mas Kronstadt estava longe de favorecer a Assembléia Constituinte ou demandar por livre comércio como se fez ouvir em Petrogrado. Os marujos eram inteiramente revolucionários em espírito e ação. Eram os mais firmes apoiadores do sistema dos Sovietes, mas opunham-se à ditadura de qualquer partido político.
O movimento simpático aos grevistas de Petrogrado começou inicialmente entre os marujos dos navios de guerra Petropavlovsk e Sevastopol — Os navios que em 1917 haviam sido o apoio principal dos bolchevistas. O movimento espalhou-se por toda a frota de Kronstadt, e então ao regimento do Exército Vermelho lá posicionado. A 28 de fevereiro os homens do Petropavlovsk passaram um documento no qual vieram a cooperar os marujos do Sevastopol. A resolução reivindicava, entre outras coisas, eleições livres para o Soviete de Kronstadt, estando o mandato no mesmo prestes a expirar. Ao mesmo tempo um comitê de marujos foi mandado a Petrogrado para tomar conhecimento da situação por lá.
A 1° de março ocorreu uma reunião pública na praça Yakorny, em Kronstadt, convocada oficialmente pelas tripulações do Primeiro e Segundo Esquadrão da Frota Báltica. 16.000 marujos, homens do Exército Vermelho e trabalhadores atenderam à reunião. Ela foi coordenada pelo presidente do Comitê Executivo do Soviete de Kronstadt, o Comunista Vassiliev. O Presidente da República Federada Socialista Russa, Kalinin, e o Comissário da Frota Báltica, Kuzmin, estavam presentes e endereçaram-se à plenária. Pode ser mencionado, como indicativo da atitude amigável dos marujos com o Governo Bolchevique, que Kalinin foi recebido em sua chegada a Kronstadt com honras militares, música e cartazes.
Nessa reunião o Comitê dos Marinheiros que havia sido mandado a Petrogrado a 28 de fevereiro fez seu relato. Isso confirmou os piores medos de Kronstadt. A audiência foi sincera em sua indignação com os métodos usados pelos Comunistas para esmagar as modestas reivindicações dos trabalhadores de Petrogrado. A resolução passada pelo Petropavlovsk a 28 de fevereiro foi então submetida à Assembléia. O Presidente Kalinin e o Comissário Kuzmin atacaram duramente a resolução e censuraram os grevistas de Petrogrado assim como os marujos de Kronstadt. Mas os argumentos para impressionar a plenária falharam, e a resolução do Petropavlovsk passou por unanimidade. O documento histórico registra:

Resolução da Assembléia Geral das Tripulações do
Primeiro e Segundo Esquadrão da Frota Báltica
ocorrida a 1° de Março de 1921

Tendo ouvido o relato dos representantes mandados pela Assembléia Geral das Tripulações dos Navios para investigar a situação em Petrogrado, foi decidido:

1.Tendo em vista o fato de que os Sovietes presentes não expressam a vontade dos operários e camponeses, a imediatamente ocorrerem novas eleições por voto secreto, e liberdade total de agitação para os operários e camponeses nas campanhas pré-eleitorais;

2.Estabelecer liberdade de expressão e imprensa para operários e camponeses, para os Anarquistas e os partidos Socialistas de esquerda;

3.Assegurar liberdade de assembléia para os sindicatos operários e organizações camponesas;

4.Convocar uma Conferência não-partidária dos trabalhadores, soldados do Exército Vermelho e marinheiros de Petrogrado, Kronstadt e da Província de Petrogrado, no máximo até 10 de março de 1921;

5.Libertar todos os prisioneiros políticos dos partidos socialistas, assim como operários, camponeses, soldados e marinheiros pertencentes à classe trabalhadora presos em razão dos movimentos sindicalistas e camponeses;

6.Eleger uma comissão para rever os casos daqueles mantidos em prisões e campos de concentração;

7.Abolir todos os politotdeli, gabinetes políticos, porque a nenhum partido podem ser dados privilégios especiais na propagação de suas idéias ou apoio financeiro do governo para tais propósitos. No lugar, devem ser estabelecidas comissões educacionais e culturais localmente eleitas e financiadas pelo governo;

8.Abolir imediatamente todos os zagryaditelniye otryadi ¹ ;

9.Equalizar as rações de todos os que trabalham, com a exceção daqueles empregados em trabalhos prejudiciais à saúde;

10.Abolir os destacamentos de combate Comunistas em todas as ramificações do Exército, assim como guardas Comunistas mantidas em serviço em usinas e fábricas. Fossem tais destacamentos militares ou guardas necessárias, deveriam ser designadas no Exército por suas próprias fileiras, e nas fábricas de acordo com o julgamento dos operários;

11.Dar aos camponeses total liberdade de ação no que concerne a suas terras, e também o direito a manter gado, em condições nas quais administrem com seus próprios meios, ou seja, sem empregarem mão-de-obra contratada;

12.Solicitar todas as ramificações do Exército, assim como nossos camaradas kursanti militares, a contribuir com nossa resolução;

13.Demandar que a imprensa dê a maior publicidade às resoluções;

14.Designar uma Comissão de Controle Móvel;

15.Permitir produção livre em pequena escala individual, kustamoye, pelos próprios esforços.

Resolução passada unanimemente por uma brigada, em assembléia,
a pessoas que se abstiveram de votar.

PETRITCHENKO
Coordenador da Seção da Brigada
PEREPELKIN
Secretário

Resolução passada por maioria esmagadora da guarnição de Kronstadt.

VASSILIEV
Coordenador

Junto com o camarada Kalinin, Vassiliev vota contra a resolução.
_ _ _

Essa resolução oposta estenuamente — como já fora mencionado — por Kalinin e Kuzmin, passou por sobre os seus protestos. Após a Assembléia foi permitido a Kalinin retornar a Petrogrado imolestado.
Na mesma Assembléia foi também decidido mandar um Comitê a Petrogrado para explicar aos trabalhadores e à guarnição de lá as demandas de Kronstadt e requerer que delegados não-partidários fossem mandados do proletariado de Petrogrado a Kronstadt para conhecer o estado das relações e as demandas dos marujos. Esse Comitê, que consistia de 30 membros, foi detido pelos bolchevistas em Petrogrado. Foi o primeiro golpe aplicado pelo governo Comunista contra Kronstadt. O destino do Comitê permaneceu um mistério.
Como o mandato dos membros do Soviete de Kronstadt estava por expirar, a Assembléia também decidiu convocar uma Conferência de delegados a 2 de março, para discutir a maneira pela qual haveriam novas eleições. A Conferência consistiria de representantes dos navios, das guarnições, das várias instituições Soviéticas, dos sindicatos e fábricas, cada organização representada por dois delegados.
A Conferência de 2 de março ocorreu na Casa da Educação, a antiga Escola de Engenharia de Kronstadt, e foi acompanhada por mais de 300 delegados, dentre os quais também estavam Comunistas. A reunião foi aberta pelo marujo Petritchenko, e um Presidium, Comitê Executivo, de cinco membros foi eleito viva voce. A questão principal perante os delegados era que as novas eleições para o Soviete de Kronstadt que se aproximavam deveriam ser baseadas em princípios de maior igualdade de condições que as anteriores. A reunião foi também para tomar ações sobre as resoluções de 1° de março, e para analisar formas e meios de ajudar o país a superar as condições desesperadas criadas pela fome e pela falta de combustíveis.
O espírito da Conferência foi sinceramente Sovietista: Kronstadt demandava Sovietes livres da interferência dos partidos políticos; queria Sovietes não-partidários que refletissem verdadeiramente a vontade dos operários e camponeses. A atitude dos delegados era antagonista ao julgo arbitrário dos comissários burocráticos, mas amigável ao Partido Comunista enquanto tal. Eram firmes adeptos do Sistema dos Sovietes, e estavam seriamente buscando encontrar, por meios amigáveis e pacíficos, uma solução do problema urgente.
Kuzmin, Comissário da Frota do Báltico, foi o primeiro a endereçar-se à Conferência. Um homem de mais energia que julgamento, falhou inteiramente em captar o grande significado do momento. Não estava no nível da situação: não soube alcançar os corações e mentes daqueles homens simples, os marujos e operários que tanto sacrificaram-se pela Revolução e que estavam agora exaustos ao ponto do desespero. Os delegados se reuniram para se aconselharem com os representantes do governo. No entanto as palavras de Kuzmin eram cuspidas como tição jogado na pólvora. Ele inviabilizava a reunião pela sua arrogância e insolência. Negava as agitações trabalhistas em Petrogrado, declarando que a cidade estava calma e os operários satisfeitos. Elogiava o trabalho dos Comissários, questionava as motivações revolucionárias de Kronstadt, e precavia contra perigos vindos da Polônia.
Ele rebaixava-se para insinuações desonrosas e ameaças tempestivas. “Se quereis começar uma guerra”, Kuzmin concluía, “vós a tereis, pois os Comunistas não desistirão das rédeas do governo. Combateremos até o fim.”
Essa fala sem tática e provocante do Comissário da Frota do Báltico serviu para insultar e enfurecer os delegados. A declaração do Presidente do Soviete de Kronstadt, o Comunista Vassiliev, que era o próximo a falar, não causou qualquer impressão à audiência: o homem era incolor e indefinido.
Conforme a reunião progredia, a atitude geral tornou-se claramente anti-bolchevista. Os delegados ainda esperavam alcançar alguns entendimentos amigáveis com os representantes do governo. Mas logo tornou-se claro, estabelece o relatório oficial ², que “não podíamos mais confiar nos camaradas Kuzmin e Vassiliev, e era necessário detê-los temporariamente, especialmente porque os Comunistas estavam em posse de armas, e nós não tínhamos acesso aos telefones. Os soldados temiam os Comissários, como provado pela carta lida na reunião, e os Comunistas não permitiam que houvessem reuniões da guarnição.”
Kuzmin e Vassiliev foram então removidos da seção e detidos. Mas era característico do espírito da Conferência que a moção para deter os outros Comunistas presentes perdesse a votação por maioria absoluta. Os delegados mantiveram que os Comunistas deveriam ser considerados em igualdade de condições com os representantes de outras organizações e a eles fossem consentidos os mesmos direitos e tratamento. Kronstadt ainda estava determinada a encontrar algum laço de acordo com o Partido Comunista e o Governo Bolchevique.
As resoluções de 1o de março foram lidas e passadas entusiasticamente. Neste momento a Conferência engrenou em grande excitação pela declaração de um delegado de que os bolchevistas estavam para atacar a reunião e de que quinze carradas de soldados e Comunistas, armados com rifles e metralhadoras, haviam sido despachadas para este propósito. “Essa informação”, o relato do Izvestia continua, “produziu um ressentimento passional entre os delegados. A investigação logo provou o relato sem fundamento, mas rumores persistiram de que um regimento de kursanti, encabeçados pelo notório tchekista Dulkiss, já marchava em direção ao forte Krasnaya Gorka”. Em vistas desses novos desenlaces, e recordando as ameaças de Kuzmin e Kalinin, a Conferência de súbito levantou a questão de organizar a defesa de Kronstadt contra um ataque bolchevista. O tempo pressionando, foi decidido tornar o Presidium da Conferência em um Comitê Provisional Revolucionário, que foi encarregado com o dever de preservar a ordem e a segurança da cidade. Este Comitê também faria as preparações necessárias para que houvessem as novas eleições do Soviete de Kronstadt.

* * *

1 - Unidades armadas organizadas pelos bolchevistas a fim de reprimir o trânsito e confiscar alimentos e outros produtos. A irresponsabilidade e arbitrariedade de seus métodos foram proverbiais por todo o país. O Governo aboliu-os na Província de Petrogrado em vésperas do ataque a Kronstadt — um suborno ao proletariado de Petrogrado. A.B.

2 - Izvestia do Comitê Provisional Revolucionário, No.9, 11 de março de 1921.

III. A Campanha Bolchevique contra Kronstadt

Petrogrado estava num estado de alta tensão. Novas greves estouraram e houveram rumores persistentes de distúrbios trabalhistas em Moscou, de levantes camponeses no Leste e na Sibéria. Pela falta de uma imprensa pública confiável o povo dava crédito aos relatos mais exagerados e mesmo obviamente falsos. Todos os olhos estavam em Kronstadt na expectativa de desenlaces importantes.
Os bolchevistas não perderam tempo em organizar seu ataque contra Kronstadt. Já a 2 de março o Governo emitiu uma ordem, prikaz, assinada por Lênin e Trotsky, que denunciava o movimento de Kronstadt como um motim contra as autoridades Comunistas. Neste documento os marujos eram acusados de serem “os instrumentos de ex-generais czaristas que junto com traidores Socialistas-Revolucionários encenavam uma conspiração contra-revolucionária contra a República proletária”. O movimento de Kronstadt por Sovietes livres foi caracterizado por Lênin e Trotsky como “o trabalho de intervencionistas da Entente e espiões franceses”.

“A 28 de Fevereiro”, o prikaz registra, “foram passadas pelos homens do Petropavlovsk resoluções respirando o espírito das Centenas Negras. Então apareceu em cena o grupo do ex-general Kozlovsky. Ele e três de seus oficiais, cujos nomes não temos ainda certeza, assumiram abertamente o comando da rebelião. Assim o significado dos eventos recentes tornaram-se evidentes. Por trás dos Socialistas-Revolucionários novamente está um general czarista. Tendo tudo isso em vista o Concelho de Trabalho e Defesa ordena:

1.Que se declare o ex-general Kozlovsky e seus apoiadores fora da legalidade;
2.Que se ponha a cidade de Petrogrado e a Província de Petrogrado sob lei marcial;
3.Que se dê poder supremo sobre todo o Distrito de Petrogrado nas mãos do Comitê de Defesa de Petrogrado.”

Houve de fato um ex-general, Kozlovsky, em Kronstadt. Foi Trotsky que o colocou lá como especialista de Artilharia. Ele não desempenhou qualquer papel em momento algum dos eventos de Kronstadt, mas os bolchevistas claramente exploraram seu nome para denunciar os marujos como inimigos da República Soviética e seu movimento como contra-revolucionário. A imprensa oficial bolchevista agora começava sua campanha de calúnia e difamação de Kronstadt como um foco de “Conspiração Branca comandada pelo General Kozlovsky”, os agitadores Comunistas foram mandados para entre os operários das usinas e fábricas de Petrogrado e Moscou para convocar o proletariado “a unir-se em apoio e defesa do Governo Operário e Camponês face ao levante contra-revolucionário em Kronstadt.”
Longe de ter qualquer relação com generais e contra-revolucionários, os marujos de Kronstadt recusaram-se a aceitar ajuda mesmo do Partido Socialista-Revolucionário. Seu líder, Victor Tchernov, então em Reval, tentou influenciar os marujos em favor de seu partido e suas reivindicações, mas não recebeu encorajamento do Comitê Provisional Revolucionário. Tchernov transmitiu para Kronstadt o seguinte ¹ por rádio:

“O Presidente da Assembléia Constituinte, Victor Tchernov, manda suas fraternas saudações aos heróicos camaradas-marujos, aos homens do Exército Vermelho e trabalhadores, que pela terceira vez desde 1905 estão arrancando o controle da tirania. Ele se oferece a apoiar com homens e a prover Kronstadt através das cooperativas russas no exterior. Informem o que e o quanto é necessário. Estou preparado para ir em pessoa e dar minhas energias e autoridade a serviço da revolução do povo. Tenho fé na vitória final das massas trabalhadoras. *** Aclamemos o primeiro a levantar a bandeira da Libertação do Povo! Abaixo o despotismo da esquerda e da direita!”

Ao mesmo tempo o Partido Socialista-Revolucionário mandou a seguinte mensagem a Kronstadt:

“A delegação socialista-revolucionária no exílio *** agora que a taça da fúria do Povo está transbordando, se oferece a ajudar com todos os meios em seu poder na luta pela liberdade e governo popular. Informem de quais maneiras a ajuda é desejada. Longa vida à revolução do povo! Longa vida aos Sovietes livres e à Assembléia Constituinte!”

O Comitê Revolucionário de Kronstadt recusou as ofertas dos Socialistas-Revolucionários. Mandou a seguinte resposta a Victor Tchernov:

“O Comitê Provisional Revolucionário de Kronstadt expressa a todos os nossos irmãos no exílio sua profunda gratidão por sua simpatia. O Comitê Provisional Revolucionário agradece pela oferta do camarada Tchernov, mas recusa no presente, até que mais desenlaces fiquem esclarecidos. Enquanto isso, tudo será levado em consideração.”

PETRITCHENKO
Coordenador do Comitê Provisional Revolucionário

Moscou, no entanto, continuou sua campanha de enganações. A 3 de março a estação de rádio bolchevista transmitiu a seguinte mensagem ao mundo — algumas partes indecifráveis devido à interferência de outra estação:

” *** Que o levante armado do ex-general Kozlovsky foi organizado pelos espiões da Entente, como muitas tramas similares, é evidente pelo jornal francês Matin, que duas semanas antes da Rebelião Kozlovsky publicou o seguinte telegrama de Helsingfors:

“Como resultado do recente levante em Kronstadt as autoridades militares Bolcheviques deram os primeiros passos para isolar Kronstadt e impedir marujos e soldados de Kronstadt de entrarem em Petrogrado.”

*** está claro que o levante de Kronstadt foi feito em Paris e organizado pelo serviço secreto francês. *** Os Socialistas-Revolucionários, também controlados e dirigidos de Paris, estiveram preparando rebeliões contra o Governo Soviético, e tão logo foram feitos seus preparativos, apareceu o verdadeiro mestre, o general czarista.”

O caráter das numerosas outras mensagens mandadas por Moscou podem ser julgadas pela seguinte transmissão:

“Petrogrado está em ordem e quieta, e mesmo umas poucas fábricas onde acusações contra o Governo Soviético foram recentemente vociferadas agora compreendem que isso é o trabalho de provocadores. Eles percebem onde os agentes da Entente e da contra-revolução os estão levando.*** Nesse exato momento, quando na América um novo pilar do regime Republicano está assumindo as rédeas do governo e demonstrando inclinação a ter relações comerciais com a Rússia Soviética, a propagação de rumores mentirosos e a organização de distúrbios em Kronstadt tem o único propósito de influenciar o novo Presidente americano a mudar sua política em relação à Rússia. Ao mesmo tempo a Conferência de Londres está realizando suas seções, e a propagação de rumores similares deve influenciar também a delegação turca e torná-la mais submissa às demandas da Entente. A rebelião da tripulação do Petropavlovsk é sem dúvidas parte da grande conspiração para criar problemas no interior da Rússia Soviética e para ferir nossa posição internacional. *** Esse plano está sendo levado à frente no interior da Rússia por um general czarista e ex-oficiais, e suas atividades são sustentadas pelos Mencheviques e pelos Socialistas-Revolucionários.”

O Comitê de Defesa de Petrogrado, dirigido por Zinoviev, seu presidente, assumiu controle total da cidade e Província de Petrogrado. Todo o Distrito Norte foi posto sob lei marcial e todas as reuniões proibidas. Precauções extraordinárias foram tomadas para proteger as instituições do Governo e metralhadoras foram posicionadas no Astoria, o hotel ocupado por Zinoviev e outros altos funcionários bolchevistas. As proclamações postas nos quadros de aviso nas ruas ordenavam o retorno imediato de todos os grevistas às fábricas, proibiam a suspensão do trabalho, e notificavam às pessoas contra a congregação nas ruas.

“Em tais casos”, a ordem registra, “a soldadesca recorrerá às armas. Em caso de resistência, execução sumária.”

O Comitê de Defesa adotou a sistemática “limpeza da cidade”. Numerosos trabalhadores, soldados e marujos suspeitos de simpatizarem com Kronstadt, foram presos. Todos os marujos de Petrogrado e muitos regimentos do Exército tidos como “politicamente inconfiáveis” foram designados para pontos distantes, enquanto as famílias dos marujos de Kronstadt que viviam em Petrogrado foram tomadas sob custódia como reféns. O Comitê de Defesa notificou Kronstadt de sua ação através de uma proclamação espalhada pela cidade por um aeroplano a 4 de março, que declarava: “O Comitê de Defesa declara que os presos são mantidos como reféns para o Comissário da Frota Báltica, N. N. Kuzmin, o Presidente do Soviete de Kronstadt, T. Vassiliev, e outros Comunistas. Se o menor dano for sofrido por um de nossos camaradas detidos, os reféns pagarão com suas vidas.”

“Nós não queremos derramamento de sangue. Nem um único Comunista foi baleado por nós”, foi a resposta de Kronstadt.

* * *
1 - Publicado no Revolutsionnaya Rossiya (jornal Socialista-Revolucionário) No.8, maio de 1921. Ver também o Izvestia de Moscou (Comunista) No.154, 13 de julho de 1922.

IV. Os Objetivos de Kronstadt

Kronstadt ferveu com uma nova vida, com o entusiasmo revolucionário dos dias de Outubro, quando o heroísmo e a devoção dos marujos tiveram um papel tão decisivo. Agora, pela primeira vez desde que o Partido Comunista assumiu o controle exclusivo da Revolução e do destino da Rússia, Kronstadt sentiu-se livre. Um novo espírito de solidariedade e fraternidade trouxe os marujos, os soldados da guarnição, os operários das fábricas e os elementos não-partidários a reunirem-se num empenho conjunto, unidos pela causa comum. Mesmo Comunistas foram afetados pela confraternização de toda a cidade e juntaram-se ao trabalho preparatório para as eleições do Soviete de Kronstadt que se aproximavam.
Entre os primeiros passos dados pelo Comitê Provisional Revolucionário foi a preservação da ordem revolucionária em Kronstadt e a publicação do órgão oficial do Comitê, o diário Izvestia. Seu primeiro apelo ao povo de Kronstadt, no exemplar No.1 de 3 de março de 1921, foi inteiramente característico da atitude e temperamento dos marujos. “O Comitê Revolucionário”, registra, “está bastante preocupado que nenhum sangue seja derramado. Ele exerceu seus maiores esforços para organizar a ordem revolucionaria na cidade, na fortaleza e nos fortes. Camaradas e cidadãos, não suspendeis o trabalho! Operários, permaneceis em vossas máquinas; marujos e soldados, estejam em seus postos. Todos os empregados e instituições Soviéticas devem continuar seus trabalhos. O Comitê Provisional Revolucionário convoca a vós todos, camaradas e cidadãos, a dá-lo seu apoio e ajuda. Sua missão é organizar, em fraterna cooperação convosco, as condições necessárias para eleições justas e honestas para o novo Soviete.”
As páginas do Izvestia sustentam testemunhos abundantes da profunda fé do Comitê Revolucionário no povo de Kronstadt e suas aspirações aos Sovietes livres como o verdadeiro caminho da libertação da opressão da burocracia Comunista. Em seu órgão diário e mensagens por rádio o Comitê Revolucionário ressentia a indigna campanha bolchevista de calúnia e repetidamente apelava ao proletariado da Rússia e do mundo por compreensão, simpatia e ajuda. Na transmissão de 6 de março soa a nota principal da convocatória de Kronstadt:

“Nossa causa é justa: nós lutamos pelo poder dos Sovietes, não de partidos. Nós lutamos por representantes livremente eleitos das massas trabalhadoras. Os Sovietes substitutos manipulados pelo Partido Comunista foram sempre surdos a nossas necessidades e reivindicações; a única resposta que alguma vez recebemos foram balas. *** Camaradas! Eles não apenas os enganam: eles pervertem deliberadamente a verdade e apelam para a mais baixa difamação.
*** Em Kronstadt todo o poder está exclusivamente nas mãos dos marujos, soldados e trabalhadores revolucionários — não com os contra-revolucionários liderados por algum Kozlovsky, como a mentirosa Rádio Moscou tenta fazê-los acreditar. *** Não demorem camaradas! Juntem-se a nós, entrem em contato conosco: reivindiquem acesso a Kronstadt para seus delegados. Somente eles lhes dirão toda a verdade e exporão a demoníaca calúnia sobre pão finlandês e ofertas da Entente.

Longa vida ao proletariado revolucionário e ao campesinato!
Longa vida ao poder dos Sovietes livremente eleitos!”

O Comitê Provisional Revolucionário primeiro teve seu centro de operações na nau capitânia Petropavlovsk, mas dentro de uns poucos dias mudou-se para a “Casa do Povo”, no centro de Kronstadt, a fim de estar, como afirma o Izvestia, “em maior contato com o povo e tornar o acesso ao Comitê mais fácil que no navio”. Apesar de a imprensa Comunista continuar sua turbulenta denúncia de Kronstadt como “a rebelião contra-revolucionária do General Kozlovsky”, a verdade da questão é que o Comitê Revolucionário era exclusivamente proletário, consistindo na maior parte de trabalhadores de conhecida história revolucionaria. O Comitê era compreendido pelos seguintes 15 membros:

1.PETRITCHENKO, escriturário chefe, nau capitânia Petropavlovsk;
2.YAKOVENKO, operador telefônico, distrito de Kronstadt;
3.OSSOSSOV, maquinista, navio de guerra Sevastopol;
4.ARKHIPOV, engenheiro;
5.PEREPELKIN, mecânico, Sevastopol;
6.PETRUSHEV, mecânico chefe, Petropavlovsk;
7.KUPOLOV, assistente médico chefe;
8.VERSHININ, marujo, Sevastopol;
9.TUKIN, mecânico eletricista;
10.ROMANENKO, zelador das docas de aviação;
11.ORESHIN, diretor da Terceira Escola Internacional;
12.VALK, operário serralheiro;
13.PAVLOV, operário da mineração naval;
14.BAIKOK, carreteiro;
15.KILGAST, marujo de alto mar.

Não sem algum senso de humor o Izvestia de Kronstadt observa nesta relação: “Estes são nossos generais, Srs. Trotsky e Zinoviev, enquanto os Brussilovs, os Kamenevs, os Tukhachevskis, e as outras celebridades do regime do Czar estão do seu lado.”
O Comitê Provisional Revolucionário contou com a confiança de toda a população de Kronstadt. Ganhou o respeito generalizado estabelecendo e firmemente aderindo ao princípio de “direitos iguais para todos, privilégios para ninguém”. A ração alimentar, pahyok, foi equalizada. Os marujos, que sob o domínio bolchevista sempre recebiam rações excessivas em relação àquelas distribuídas aos operários, votaram eles mesmos para não receber mais que o cidadão e o trabalhador comum. Rações especiais e iguarias eram dadas somente a hospitais e às casas das crianças.
A justa e generosa atitude do Comitê Revolucionário para com os membros do Partido Comunista em Kronstadt — poucos dos quais foram detidos apesar das repressões bolchevistas e todas as detenções das famílias dos marujos como reféns — ganhou o respeito mesmo dos Comunistas. As páginas do Izvestia contêm numerosos comunicados de grupos e organizações Comunistas em Kronstadt, condenando a atitude do Governo Central e endossando a posição e as medidas do Comitê Provisional Revolucionário. Muitos Comunistas em Kronstadt publicamente anunciaram sua saída do Partido como um protesto contra seu despotismo e corrupção burocrática. Em várias publicações do Izvestia seriam encontrados centenas de nomes de Comunistas cuja consciência tornou impossível para eles “permanecer no partido do executor Trotsky”, como alguns deles expressavam. Renúncias ao Partido Comunista logo tornaram-se tão numerosas que pareciam um êxodo geral ¹. As seguintes cartas, tiradas aleatoriamente de um grande lote, suficientemente caracteriza o sentimento dos Comunistas em Kronstadt:

1.”Percebi que as políticas do Partido Comunista trouxeram o país a um beco cego e sem esperanças do qual não há saída. O Partido tornou-se burocrático, não aprendeu nada e não quer aprender. Recusa-se a ouvir a voz de 115 milhões de camponeses; não quer considerar que somente a liberdade de expressão e a oportunidade de participar na reconstrução do pais, por meio de outros métodos de eleição, pode tirar nosso país dessa letargia.

Eu recuso-me daqui por diante a considerar-me um membro do Partido Comunista Russo. Eu aprovo totalmente a resolução passada por toda a cidade em assembléia a 1° de março, e por meio desta, coloco minhas energias e habilidades a disposição do Comitê Provisional Revolucionário.”

Herman Kanev Krasniy Komandir, Oficial do Exército Vermelho
Filho do exílio político no julgamento 193 ²
Izvestia, No.3, 5 de março de 1921

2.”Camaradas, meus alunos da Escola Industrial, Naval e do Exército Vermelho!

Quase trinta anos eu vivi em profundo amor com o povo, e carreguei luz e conhecimento, tão longe quanto disponho em meu poder, para todos que tiveram sede por ele, até o presente momento.
A Revolução de 1917 deu maior alcance ao meu trabalho, aumentou minhas atividades, e devotei-me com maior energia a serviço do meu ideal.
O slogan comunista, “Tudo para o povo”, inspirou-me com sua nobreza e beleza, e, em fevereiro de 1920 eu entrei no Partido Comunista russo como uma candidata. Mas com o “primeiro disparo” na pacífica população, nas minhas queridas e amadas crianças das quais há por volta de sete mil em Kronstadt, me enche de horror que eu possa ser considerada como alguém que compartilha a responsabilidade pelo sangue de inocentes assim derramado. Sinto que não posso mais acreditar e propagar aquilo que desgraçou-se por ato demoníaco. Portanto com o primeiro tiro deixei de ver-me como um membro do Partido Comunista.”

Maria Nbikolayevna Shatel, Professora
Izvestia, No.6, 8 de março de 1921

Tais comunicados apareceram em quase todas as edições do Izvestia. Muito significativa foi a declaração do Escritório Provisional da Seção de Kronstadt do Partido Comunista, cujo Manifesto para seus membros foi publicado no Izvestia, No.2 de 4 de março:

” *** Deixemos cada camarada do nosso Partido perceber a importância da hora presente.

Não dê créditos aos falsos rumores de que os Comunistas em Kronstadt estão sendo baleados, e que os Comunistas de Kronstadt estão a ponto de levantar em armas. Tais rumores são espalhados para causar derramamento de sangue.
Declaramos que nosso Partido sempre esteve defendendo as conquistas da classe trabalhadora contra todos os inimigos secretos e conhecidos do poder dos Sovietes Operários e Camponeses, e continuará a fazê-lo.
O Escritório Provisional do Partido Comunista em Kronstadt reconhece a necessidade de eleições para o Soviete e clama os membros do Partido Comunista a tomar parte nas eleições.
O Escritório Provisional do Partido Comunista orienta a todos os membros do Partido a permanecer em seus postos e de maneira nenhuma obstruir ou interferir nas medidas do Comitê Provisional Revolucionário.

Longa vida ao poder dos Sovietes!
Longa vida à união internacional dos trabalhadores!”

ESCRITÓRIO PROVISIONAL DA SEÇÃO KRONSTADT
DO PARTIDO COMUNISTA RUSSO

F. PERVUSHIN
Y. YLYIN
A. KABANOV

_ _ _

De maneira similar várias outras organizações, civis e militares, expressaram sua oposição ao regime de Moscou e seu inteiro acordo com as reivindicações dos marujos em Kronstadt. Muitas resoluções para esse efeito foram também passadas por regimentos do Exército Vermelho estacionados em Kronstadt e em serviço nos fortes. O que segue adiante é expressivo de seu espírito e tendências gerais:

“Nós, soldados do Exército Vermelho do Forte Krasnoarmeetz, estamos todos com o Comitê Provisional Revolucionário, e até o último momento nós defenderemos o Comite Revolucionário, os operários e camponeses. *** Não deixe ninguém acreditar nas mentiras das proclamações Comunistas jogadas dos aeroplanos. Não temos generais aqui e nem oficiais czaristas. Kronstadt foi sempre a cidade dos operários e camponeses, e assim permanecerá. Os generais estão a serviço dos Comunistas. *** Nesse momento, quando o destino do país está na balança, nós, que tomamos o poder em nossas próprias mãos e que confiamos o Comitê Revolucionário com a liderança na luta — declaramos a toda a guarnição e aos trabalhadores, que estamos preparados para morrer pela liberdade das massas trabalhadoras. Libertos dos três anos de terror e opressão pelos Comunistas nós devemos antes morrer que recuar um único passo.

Longa vida à Rússia Livre e do Povo Trabalhador!”

AGRUPAMENTO DO FORTE KRASNOARMEETZ

Izvestia, No.5, 7 de março de 1921

Kronstadt foi inspirada com um amor passional por uma Rússia Livre e uma fé solta nos Sovietes. Estava confiante em ganhar o apoio de toda a Rússia, de Petrogrado em particular, assim realizando a libertação final do país. O Izvestia de Kronstadt reitera essa atitude e esperança, e nos numerosos artigos e apelos procura esclarecer sua posição em relação aos bolchevistas e sua aspiração em preparar a fundação de uma vida nova, livre, para si e para o restante da Rússia. Essa grande aspiração, a pureza de seus motivos, e sua esperança fervente de libertação encontra admirável conforto nas páginas do órgão oficial do Comitê Provisional Revolucionário de Kronstadt e expressa inteiramente o espírito dos soldados, marujos e trabalhadores. Aos ataques virulentos da imprensa bolchevista, às mentiras infames transmitidas pela estação de rádio de Moscou acusando Kronstadt de contra-revolução e conspiração Branca, o Comitê Revolucionário respondeu de maneira digna. Freqüentemente reproduzia em seu órgão as proclamações de Moscou a fim de mostrar ao povo a que profundeza os bolchevistas se rebaixaram. Ocasionalmente os métodos Comunistas eram expostos e caracterizados pelo Izvestia com justa indignação, como no seu exemplar de 8 de março, No.6, sob a manchete “Nós e Eles”:

“Não sabendo como manter o poder que está caindo de suas mãos, os Comunistas recorrem aos meios mais vis e provocativos. Sua imprensa baixa mobilizou todas as suas forças para incitar as massas e pôr o movimento em Kronstadt à luz de uma conspiração da guarda Branca. Agora um pequeno círculo de vilões desavergonhados mandam palavras ao mundo de que “Kronstadt vendeu-se à Finlândia”. Seus jornais cospem fogo e veneno, e porque falharam em persuadir o proletariado de que Kronstadt está nas mãos de contra-revolucionários, estão agora tentando jogar com os sentimentos nacionalistas.

Todo o mundo já sabe, através de nossas rádios, pelo que a guarnição e os trabalhadores de Kronstadt estão lutando. Mas os Comunistas empenham-se em perverter o significado dos eventos e assim desorientar nossos irmãos de Petrogrado.
Petrogrado está cercada pelas baionetas dos kursanti e dos “guardas” do Partido, e Maliut Skuratov — Trotsky — não permite aos delegados dos trabalhadores e soldados não-partidários visitar Kronstadt. Ele teme que eles cheguem a saber toda a verdade por lá, e esta verdade imediatamente varreria os Comunistas e assim as massas trabalhadoras, iluminadas, tomariam o poder em suas próprias mãos calejadas.

Esta é a razão pela qual o Petro-Soviet, o Soviete de Petrogrado, não respondeu ao nosso telegrama por rádio, no qual nós pedimos que camaradas realmente imparciais sejam mandados a Kronstadt.
Temendo por suas próprias peles, os líderes dos Comunistas abafam a verdade e disseminam a mentira de que guardabranquistas estão ativos em Kronstadt, que o proletariado de Kronstadt vendeu-se à Finlândia e a espiões franceses, que os finlandeses já organizaram um exército a fim de atacar Petrogrado com o apoio dos amotinados, myatezhnbiki, e assim por diante.
A tudo isto nós podemos responder apenas isso: Todo poder aos Sovietes! Afastem suas mãos deles, estas mãos que estão vermelhas do sangue dos mártires da liberdade que morreram lutando contra a guarda Branca, os senhores de terra e a burguesia!”
Em linguagem simples e franca, Kronstadt buscou expressar a vontade do povo desejoso por liberdade e pela oportunidade de moldar seus próprios destinos. Sentiu-se a guarda avançada, por assim dizer, do proletariado da Rússia, a ponto de erguer-se em defesa das grandes aspirações pelas quais o povo lutou e sofreu na Revolução de Outubro. A fé de Kronstadt no sistema dos Sovietes era profunda e firme; seu totalmente inclusivo slogan, “Todo poder aos Sovietes, não a partidos!”; que era seu programa; não teve tempo para desenvolvê-lo ou teorizá-lo. Empenhava-se pela emancipação do povo do jugo Comunista. Este jugo, não mais suportável, tornou uma nova revolução, a Terceira Revolução, necessária. A estrada para a liberdade e a paz está nos Sovietes livremente eleitos, “a pedra angular da nova revolução”. As páginas do Izvestia sustentam rico testemunho da direção não deteriorada e da união objetiva na mente dos marujos e trabalhadores de Kronstadt, e a fé tocante que tinham em sua missão como iniciadores da Terceira Revolução. Essas aspirações e esperanças estão claramente expostas no No.6 do Izvestia, 8 de março, no editorial principal entitulado “Pelo que Lutamos”.

“Com a Revolução de Outubro a classe trabalhadora esperou alcançar sua emancipação. Mas aí resultou uma ainda maior escravidão da pessoa humana.
O poder da polícia e da monarquia dos homens de armas, gendarme, caiu nas mãos de usurpadores — os Comunistas — que, ao invés de dar liberdade ao povo, instilou-lhe apenas o medo constante da Tcheka, que por seus horrores supera mesmo o regime militar do Czarismo. *** Pior e mais cruel de tudo é o espírito cabal dos Comunistas: eles puseram suas mãos também no mundo interno das massas trabalhadoras, forçando todos a pensar de acordo com a prescrição Comunista.
*** A Rússia é entre os trabalhadores, a primeira a levantar a bandeira vermelha da emancipação do trabalho, mas está embebida no sangue daqueles martirizados pela maior glória do domínio Comunista. Neste mar de sangue, os Comunistas estão afogando todas as claras promessas e possibilidades da revolução dos trabalhadores. Agora está claro que o Partido Comunista Russo não é o defensor das massas trabalhadoras, como finge ser. Os interesses do povo trabalhador são alheios a ele. Tendo conquistado o poder, agora teme somente perdê-lo, e portanto considera todos os meios permissíveis: difamação, falsidade, violência, assassinato e vingança sobre as famílias dos rebeldes.
Há um limite para a longa e sofrida paciência. Aqui e lá a terra é tomada pelas chamas da rebelião em uma luta contra a opressão e a violência. Greves de trabalhadores multiplicaram-se, mas o regime policial bolchevista tomou cada precaução contra a explosão da inevitável Terceira Revolução.
Mas apesar disto tudo ela veio e é feita pelas mãos das massas trabalhadoras. Os Generais do Comunismo vêem claramente que e o povo que levantou-se, é o povo que se convenceu de que os Comunistas traíram os ideais do Socialismo. Temendo por sua segurança e sabendo que não há lugar em que possam se esconder do ódio dos trabalhadores, os Comunistas ainda tentam aterrorizar os rebeldes com prisões, chumbo e outras barbaridades.
Mas a vida sob a ditadura Comunista é mais terrível que a morte.***
Não há caminho do meio. Conquistar ou morrer! O exemplo está sendo dado por Kronstadt, o terror da contra-revolução da direita e da esquerda. Aqui teve lugar o grande feito revolucionário. Aqui está erguida a bandeira da rebelião contra uma tirania e opressão de três anos de autocracia Comunista, que pôs em sua tonalidade trezentos anos de despotismo e monarquia. Aqui, em Kronstadt, foi posta a pedra angular da Terceira Revolução que quebrará as últimas correntes do trabalhador e abrirá a nova, larga estrada para a criatividade Socialista.
Essa nova revolução acordará as massas do leste e do oeste, e servirá como exemplo de nova construção Socialista, em contraposição à “construção” governamental Comunista seca e fatiada. As massas trabalhadoras aprenderão que o que foi feito até agora em nome dos operários e camponeses não foi Socialismo.
Sem dar um único tiro, sem derramar uma gota de sangue, o primeiro passo foi dado. Os que trabalham não precisam do sangue de outros. Só o derramarão em auto-defesa. *** Os operários e camponeses marcham: estão deixando para trás a Assembléia Constituinte, Utchredilka, com seu regime burguês e a ditadura do Partido Comunista com sua Tcheka e seu capitalismo de Estado, que pôs o laço em volta do pescoço dos trabalhadores e ameaça estrangulá-los até a morte.
A presente mudança oferece às massas trabalhadoras a oportunidade de assegurar, ao menos, Sovietes livremente eleitos que funcionarão sem medo do chicote do Partido; elas podem agora reorganizar os sindicatos governamentabilizados em associações voluntárias de operários, camponeses e da intelligentsia trabalhadora. Ao menos está quebrada a clava policial da autocracia Comunista.”

Este era o programa, aquelas as reivindicações imediatas, pelos quais o governo Bolchevista iniciou o ataque a Kronstadt às 18:45h de 7 de março de 1921.

* * *

1.O Comitê Executivo do Partido Comunista da Rússia considerou sua Seção em Kronstadt tão “desmoralizada” que após a derrota de Kronstadt ordenou um completo recadastramento de todos os Comunistas da comuna.

2.O celebrado julgamento 193 nos primeiros dias do movimento revolucionário da Rússia. Ele iniciou no final de 1877, com desfecho nos primeiros meses de 1878.

V. O Ultimato Bolchevique a Kronstadt

Kronstadt foi generosa. Nem uma gota de sangue Comunista foi derramada, apesar de toda a provocação, do bloqueio da cidade e das medidas repressivas por parte do Governo Bolchevique. Não seguiu o exemplo Comunista de vingança, mesmo indo ao extremo de precaver a população de Kronstadt para que esta não causasse excessos contra membros do Partido Comunista. O Comitê Revolucionário Provisional publicou uma convocatória ao povo de Kronstadt para este propósito, mesmo depois que o Governo Bolchevique ignorou a reivindicação dos marujos pela libertação dos reféns detidos em Petrogrado. A reivindicação de Kronstadt transmitida por rádio ao Soviete de Petrogrado e o Manifesto do Comitê Revolucionário foram publicados no mesmo dia, 7 de março, e adiante reproduzidos:

“Em nome da guarnição de Kronstadt o Comitê Revolucionário Provisional demanda que as famílias dos marujos, trabalhadores e homens do Exército Vermelho mantidas pelo Petro-Soviet como reféns sejam libertadas em 24 horas.

A guarnição de Kronstadt declara que os Comunistas gozam de liberdade total em Kronstadt e suas famílias estão absolutamente a salvo. O exemplo do Petro-Soviet não será seguido aqui, pois consideramos tais métodos bastante vergonhosos e depravados, mesmo se incitados por ódio desesperado. A história não conhece tal infâmia.

MARINHEIRO PETRITCHENKO
Coordenador do Comitê Provisional Revolucionário
KILGAST
Secretário

O Manifesto ao povo de Kronstadt registra em parte:

“A longa e continuada opressão das massas trabalhadoras pela ditadura Comunista produziu indignação muito natural e ressentimentos por parte do povo. Como resultado parentes de comunistas foram em algumas circunstâncias dispensados de suas posições e boicotados. Isto não deve acontecer. Nós não buscamos vingança — estamos defendendo nossos interesses.”

“Kronstadt vivia um espírito de santa cruzada. Tinha permanente fé na justiça de sua causa e sentiu-se a verdadeira defensora da Revolução. Nesse estado de consciência os marujos não acreditavam que o Governo os atacaria por força das armas. No subconsciente destas simples crianças do chão e do mar talvez germinasse o sentimento de que não só através da violência pode a vitória ser alcançada. A psicologia eslava parecia acreditar que a justiça da causa e a força do espírito revolucionário prevalecem. A qualquer custo Kronstadt recusa-se a tomar a ofensiva. O Comitê Revolucionário não aceitou a advertência insistente dos peritos militares de desembarcar imediatamente em Oranienbaum, um forte de grande valor estratégico. Os marujos e soldados de Kronstadt alvejavam estabelecer Sovietes Livres e queriam defender seus direitos contra o ataque; mas não seriam os agressores.

Em Petrogrado houveram persistentes rumores de que o Governo preparava operações militares contra Kronstadt, mas o povo não deu crédito a tais histórias: a coisa parecia tão ultrajante que chegaria ao absurdo. Como já foi mencionado, o Comitê de Defesa, oficialmente conhecido como o Soviete do Trabalho e da Defesa, declarou a capital em um “estado de sítio extraordinário”. Não eram permitidas assembléias, nenhuma reunião nas ruas. Os operários de Petrogrado sabiam pouco do que estava transpirando em Kronstadt, a única informação acessível sendo a imprensa Comunista e os freqüentes boletins do fato de que o “General Czarista Kozlovsky organizava um levante contra-revolucionário em Kronstadt”. Ansiosamente o povo procurava a seção anunciada do Soviete de Petrogrado que iria agir na questão Kronstadt.
O Petro-Soviet reuniu-se a 4 de março, sendo a admissão feita através de cartões que, via de regra, apenas Comunistas poderiam obter. O escritor, então em termos amigáveis com os bolchevistas e particularmente com Zinoviev, estava presente. Como coordenador do Soviete de Petrogrado Zinoviev abriu a seção e em uma longa fala expôs a situação de Kronstadt. Eu confesso que cheguei à reunião antes disposto em favor do ponto de vista de Zinoviev: eu estava em guarda contra a mais vaga possibilidade de influência contra-revolucionária em Kronstadt. Mas a fala mesma de Zinoviev convenceu-me de que as acusações Comunistas contra os marujos eram pura fabricação, sem um brilho de verdade. Eu ouvira Zinoviev em várias outras ocasiões. Achei ele um orador convincente, uma vez que suas premissas fossem confessas. Mas agora toda a sua atitude, sua argumentação, seu tom e conduta — tudo deu a mentira a suas palavras. Eu pude ver sua própria consciência protestando. A única “evidência” apresentada contra Kronstadt era a famosa resolução de 1° de março, as reivindicações justas e mesmo moderadas.
Foi com base apenas neste documento , sustentado pelas denúncias veementes, quase histéricas, dos marujos por Kalinin, que o passo fatal foi dado. Preparada previamente e apresentada por Yevdokimov, o braço direito de Zinoviev, a resolução contra Kronstadt passou pelos delegados incitada por uma grande parcela de intolerância e sede de sangue — passada em meio a um tumulto de protestos de muitos delegados das fábricas de Petrogrado e dos porta-vozes dos marujos. A resolução declarava Kronstadt culpada de levante contra-revolucionário contra o poder Soviético e demandava rendição imediata.
Era uma declaração de guerra. Mesmo muitos Comunistas recusaram-se a acreditar que a resolução seria levada a frente: seria algo monstruoso atacar por força das armas o “orgulho e glória da Revolução Russa”, como Trotsky nomeara os marujos de Kronstadt. Nos círculos de amigos muitos Comunistas sóbrios ameaçaram deixar o Partido se um ato tão sanguinário se passasse.
Trotsky era esperado para endereçar-se ao Petro-Soviet e sua falha em aparecer foi interpretada por alguns como uma indicação de que a seriedade da situação havia sido exagerada. Mas durante a noite ele chegou a Petrogrado e na manhã seguinte, 5 de março, emitiu seu ultimato a Kronstadt:
“O Governo dos Operários e Camponeses declarou que os navios de Kronstadt e rebeldes devem imediatamente submeter-se à autoridade da República Soviética. Portanto comando todos os que ergueram suas mãos contra a pátria Socialista a baixarem as armas imediatamente. Os renitentes serão desarmados e trazidos às autoridades Soviéticas. Os comissários detidos e outros representantes do Governo devem ser libertados imediatamente. Apenas aqueles que se renderem incondicionalmente poderão contar com a clemência da República Soviética.
Simultaneamente estou emitindo ordens para preparar a repressão do motim e subjugar os amotinados por força das armas. A responsabilidade pelos danos que podem ser sofridos pela população pacífica recairão inteiramente sobre as cabeças dos amotinados contra-revolucionários. A advertência é final.”

TROTSKY
Presidente do Soviete Militar Revolucionário da República
KAMENEV
Comandante-em-Chefe
_ _ _

A situação parecia sinistra. Grandes forças militares fluíam continuamente para Petrogrado e suas redondezas. O ultimato de Trotsky foi seguido por um prikaz que continha a histórica ameaça, “Atirarei em vós como faisões”. Um grupo de Anarquistas, então em Petrogrado, fez uma última tentativa de induzir os bolchevistas a reconsiderarem sua decisão de atacar Kronstadt. Eles sentiram em seu dever para a Revolução esforçarem-se, mesmo sem esperanças, para evitar o massacre iminente da flor revolucionária da Rússia, os marujos e operários de Kronstadt. A 5 de março mandaram um protesto ao Comitê de Defesa, apontando as intenções pacíficas e reivindicações justas de Kronstadt, lembrando os Comunistas da história heróica e revolucionária dos marujos, e sugerindo um método de assentar a disputa de uma maneira conivente para camaradas e revolucionários. O documento registra:

“Ao Soviete do Trabalho e Defesa de Petrogrado, Coordenador Zinoviev:

Permanecer em silêncio agora é impossível, mesmo criminoso. Eventos recentes impelem-nos, Anarquistas, a falar e declarar nossa atitude na presente situação. O manifesto do espírito de fermentação e insatisfação entre os operários e marujos é o resultado de causas que pedem séria atenção. Frio e fome produziram desafeto, e a ausência de qualquer oportunidade de discussão e crítica está forçando os operários e marujos a bradar abertamente suas queixas.
Bandos guardabranquistas desejam e podem tentar explorar essa insatisfação para seu próprio interesse de classe. Escondendo-se atrás de slogans da Assembléia Constituinte, ou livre comércio, e demandas similares.
Nós Anarquistas há muito expomos a ficção desses slogans, e declaramos a todo o mundo que lutaremos com armas contra qualquer tentativa contra-revolucionária, em cooperação com todos os amigos da Revolução Soviética e lado a lado com os Bolcheviques.
Concernindo o conflito entre o Governo Soviético e os operários e marujos, nós somos partidários de que deve ser assentado não por força das armas mas por meios de camaradagem, acordo fraternal revolucionário. Recorrer ao derramamento de sangue, da parte do Governo Soviético, não irá — na dada situação — intimidar ou calar os trabalhadores. Pelo contrário, servirá apenas para agravar as coisas e fortalecerá as mãos da Entente e da contra-revolução interna. Mais importante ainda, o uso da força pelo Governo dos Operários e Camponeses contra operários e marinheiros terá um efeito reacionário no movimento revolucionário internacional e causará em toda parte danos incalculáveis à Revolução Social.
Camaradas Bolcheviques, reflitam vocês mesmos antes que seja tarde demais! Não brinquem com fogo: vocês estão prestes a dar um passo muito sério e decisivo. Nós daqui por diante apresentamos a vocês a seguinte proposição: Deixem uma Comissão ser selecionada consistindo de cinco pessoas, incluindo dois Anarquistas. A Comissão deve ir para Kronstadt assentar a disputa por meios pacíficos. Na dada situação este é o método mais radical. Será de um significado revolucionário internacional.

ALEXANDER BERKMAN
EMMA GOLDMAN
PERKUS
PETROVSKY

Petrogrado, 5 de março de 1921

Zinoviev informou que um documento em conecção com o problema em Kronstadt deveria ser submetido ao Soviete de Defesa, mandando seu representante pessoal para isso. Se a carta foi discutida por este corpo não é de conhecimento do escritor. De qualquer maneira, nenhuma ação foi tomada sobre a questão.

VI. O Primeiro Disparo

Kronstadt, heróica e generosa, sonhava libertar a Rússia pela Terceira Revolução que tinha orgulho de ter iniciado. Liberdade e fraternidade universal eram seus slogans. Pensou a Terceira Revolução como um processo gradual de emancipação, o primeiro passo nesta direção sendo a eleição livre de Sovietes independentes, não controlados por qualquer partido político e expressivo da vontade e dos interesses do povo. Os dedicados e rústicos marujos estavam proclamando aos trabalhadores do mundo seu grandioso Ideal, e convocando o proletariado a unir forças numa luta comum, confiantes de que a sua Causa encontraria um entusiástico apoio e que os operários de Petrogrado, primeiro e antes de tudo, apressariam-se em ajudá-los.
Enquanto isso Trotsky acumulava forças. As mais confiáveis divisões dos frontes, regimentos de kursanti, destacamentos da Tcheka, e unidades militares consistindo exclusivamente de Comunistas estavam agora agrupadas nos fortes de Sestroretsk, Lissy Noss, Krasnaya Gorka, e locais fortificados vizinhos. Os maiores peritos militares Russos investiram no cenário para formar planos de bloqueio e ataque a Kronstadt, e o notório Tukhachevski foi designado Comandante-em-Chefe no sítio a Kronstadt.
A 7 de março, às 18:45 horas, as baterias Comunistas de Sestroretsk e Lissy Noss realizaram os primeiros disparos contra Kronstadt.
Era aniversário do Dia da Mulher Trabalhadora. Kronstadt sitiada e atacada, não esqueceu o grande feriado. Sob o fogo de numerosas baterias, os bravos marujos emitiram por rádio saudações para as mulheres trabalhadoras do mundo, um ato bastante característico da psicologia da Cidade Rebelde. A emissão registra:

“Hoje é um feriado universal — Dia da Mulher Trabalhadora. Nós de Kronstadt mandamos, no meio da trovoada de canhões, nossas saudações fraternais às mulheres trabalhadoras do mundo. *** Possam vocês em breve alcançar sua libertação de toda forma de violência e opressão. *** Longa vida às mulheres livres trabalhadoras e revolucionárias! Longa vida à Revolução Social através do mundo!”

Não menos característico foi o brado de partir o coração de Kronstadt, “Deixe Todo o Mundo Saber”, publicado depois do primeiro tiro ser dado, no No.6 do Izvestia, 8 de março:

“Foi disparado o primeiro tiro…Imerso até os joelhos no sangue dos trabalhadores, Marechal Trotsky foi o primeiro a abrir fogo contra a Kronstadt revolucionária, que levantou-se contra a autocracia dos Comunistas para estabelecer o verdadeiro poder dos Sovietes.

Sem derramar uma única gota de sangue nesta semana, homens do Exército Vermelho, marujos e operários de Kronstadt, libertamo-nos do jugo dos Comunistas e preservamos mesmo suas vidas. Pela ameaça da artilharia eles querem agora subjugar-nos novamente à sua tirania.
Não desejando derramamento de sangue, nós pedimos que delegados não-partidários do proletariado de Petrogrado fossem mandados a nós, para que eles pudessem saber que Kronstadt está lutando pelo Poder dos Sovietes. Mas os Comunistas esconderam nossa demanda dos operários de Petrogrado e agora abriram fogo — a resposta usual do falso Governo Operário e Camponês às reivindicações das massas trabalhadoras.
Mas os trabalhadores de todo o mundo sabem que nós, os defensores do Poder Soviético, guardamos a conquista da Revolução Social.
Nós queremos vencer ou morrer debaixo das ruínas de Kronstadt, lutando por uma causa justa das massas trabalhadoras.
Os trabalhadores do mundo serão nossos juizes. O sangue dos inocentes cairá sobre as cabeças dos fanáticos Comunistas embriagados com sua autoridade.

Vida Longa ao Poder dos Sovietes!”

VII. A Derrota de Kronstadt

O bombardeio da artilharia a Kronstadt, que começou no entardecer de 7 de março, foi seguido pela tentativa para tomar a fortaleza de assalto. O ataque foi feito pelo norte e pelo sul por tropas Comunistas selecionadas vestidas em mantos brancos, cor que combinava de forma segura com a neve que caia grossa no Golfo congelado da Finlândia. Esses primeiros e terríveis ataques de assalto à fortaleza, com imprudente sacrifício de vidas, são lamentados pelos marujos com tocante compaixão por seus irmãos em armas, enganados em acreditar numa Kronstadt contra-revolucionária. Datado de 8 de março o Izvestia de Kronstadt dizia:

“Nós não queríamos derramar o sangue de nosso irmãos, e não disparamos um único tiro até sermos compelidos a fazê-lo. Nós tivemos que defender a justa causa do povo trabalhador e atirar — atirar nos nossos próprios irmãos mandados para a morte certa por Comunistas que engordaram às custas do povo.

*** Para seu azar caiu uma terrível tempestade de neve e a noite escura cobria tudo no breu. Todavia, os executores Comunistas, sem contar custos, direcionavam-nos pelo gelo, ameaçando-os pelas costas com suas metralhadoras operadas por destacamentos Comunistas.
Muitos de vocês pereceram nesta noite na vastidão congelada do Golfo da Finlândia. E quando o dia raiou e a tempestade acalmou-se, só um punhado de remanescentes dentre vocês, desgastados e famintos, duramente capazes de mover-se, vieram a nós em seus